Podemos, talvez, enunciar um princípio básico, de uma só vez económico e simbólico, para lidarmos com os efeitos da pandemia no mundo global do cinema. A saber: importa defender as salas escuras como lugar emblemático e insubstituível da vida dos filmes..Ao mesmo tempo, creio que importa também não transformar essa defesa numa visão fechada, tendencialmente moralista, da nossa relação com a pluralidade das matérias cinematográficas. Dito de outro modo: mesmo no seu nicho comercial, o Blu-ray continua a ser uma esplendorosa alternativa para o consumo caseiro. Prova mais recente: a edição de Vitalina Varela (Midas Filmes), realização de Pedro Costa que está na corrida dos Óscares enquanto representante oficial de Portugal no leque de candidaturas a uma nomeação para melhor filme internacional..A excelência do Blu-ray começa no rigor de transcrição das imagens. Claro que não é indiferente que o filme em causa tenha genuína qualidade visual e, neste caso, a direção de fotografia, da responsabilidade de Leonardo Simões, é mesmo fora de série. Ao mesmo tempo, tal reconhecimento só faz sentido se sublinharmos que todos os contributos técnicos não valem por si: é indispensável que existam como elementos íntimos de um projeto que os saiba integrar de forma realmente original e criativa. Será preciso lembrar que os mais sofisticados "efeitos especiais" têm estado ao serviço de algumas medíocres aventuras de super-heróis?.Em anos recentes, o filme de Pedro Costa foi - e continua a ser - um dos produtos da arte portuguesa com maior ressonância internacional. Referir e valorizar tal aspeto não é, no interior deste texto, um mero tema associado ao marketing (que também podia ser, se se tratasse de refletir sobre as bases de uma possível política cultural para a difusão, interna e externa, do cinema português). O que está em jogo é o invulgar poder narrativo do trabalho de Pedro Costa, aliás, continuando e enriquecendo uma trajetória que inclui títulos tão marcantes como No Quarto da Vanda (2000), Juventude em Marcha (2006) e Cavalo Dinheiro (2014)..A história de Vitalina Varela, uma mulher de Cabo Verde que chega a Lisboa poucos dias depois do falecimento do marido, possui uma carga realista, sempre à beira de uma vertigem surreal, que lhe confere, justamente, um inusitado poder de comunicação universal. Nos extras da edição em Blu-ray encontramos dois registos elucidativos de tal poder: uma breve e concisa apresentação do crítico e ensaísta Chris Fujiwara e a gravação de uma conversa com Pedro Costa, em março de 2020, no Institute of Contemporary Arts, em Londres..A edição de Vitalina Varela em Blu-ray surge em paralelo com o lançamento do filme em DVD. Aliás, em rigor, a caixa do Blu-ray é dupla, já que integra também o disco do DVD. Dois títulos realizados por Júlio Alves completam a oferta de extras: Companhia, uma curta-metragem de 12 minutos sobre a exposição de Pedro Costa no Museu de Serralves, e Chantal + Pedro, exercício experimental de oito minutos, aproximando o imaginário do cineasta português da obra da realizadora belga Chantal Akerman (1950-2015). São duas belas propostas de deambulação visual e sonora que, além do mais, nos recordam que a vida dos filmes se vai tecendo de muitos laços de cumplicidade, ora óbvios e festivos, ora secretos e indizíveis..A não esquecer: quer no DVD quer na caixa do Blu-ray surge um "Caderno de fotografias de rodagem", organizado, em 72 páginas, uma memória (sem texto) do trabalho de produção e rodagem de Vitalina Varela. Não é uma versão fotográfica do tradicional making of, antes um austero álbum de família capaz de nos fazer ver e sentir o cinema como um labor de duplo e fascinante empenhamento: olhar o mundo à nossa volta e reinventá-lo nas singularidades das imagens e sons.
Podemos, talvez, enunciar um princípio básico, de uma só vez económico e simbólico, para lidarmos com os efeitos da pandemia no mundo global do cinema. A saber: importa defender as salas escuras como lugar emblemático e insubstituível da vida dos filmes..Ao mesmo tempo, creio que importa também não transformar essa defesa numa visão fechada, tendencialmente moralista, da nossa relação com a pluralidade das matérias cinematográficas. Dito de outro modo: mesmo no seu nicho comercial, o Blu-ray continua a ser uma esplendorosa alternativa para o consumo caseiro. Prova mais recente: a edição de Vitalina Varela (Midas Filmes), realização de Pedro Costa que está na corrida dos Óscares enquanto representante oficial de Portugal no leque de candidaturas a uma nomeação para melhor filme internacional..A excelência do Blu-ray começa no rigor de transcrição das imagens. Claro que não é indiferente que o filme em causa tenha genuína qualidade visual e, neste caso, a direção de fotografia, da responsabilidade de Leonardo Simões, é mesmo fora de série. Ao mesmo tempo, tal reconhecimento só faz sentido se sublinharmos que todos os contributos técnicos não valem por si: é indispensável que existam como elementos íntimos de um projeto que os saiba integrar de forma realmente original e criativa. Será preciso lembrar que os mais sofisticados "efeitos especiais" têm estado ao serviço de algumas medíocres aventuras de super-heróis?.Em anos recentes, o filme de Pedro Costa foi - e continua a ser - um dos produtos da arte portuguesa com maior ressonância internacional. Referir e valorizar tal aspeto não é, no interior deste texto, um mero tema associado ao marketing (que também podia ser, se se tratasse de refletir sobre as bases de uma possível política cultural para a difusão, interna e externa, do cinema português). O que está em jogo é o invulgar poder narrativo do trabalho de Pedro Costa, aliás, continuando e enriquecendo uma trajetória que inclui títulos tão marcantes como No Quarto da Vanda (2000), Juventude em Marcha (2006) e Cavalo Dinheiro (2014)..A história de Vitalina Varela, uma mulher de Cabo Verde que chega a Lisboa poucos dias depois do falecimento do marido, possui uma carga realista, sempre à beira de uma vertigem surreal, que lhe confere, justamente, um inusitado poder de comunicação universal. Nos extras da edição em Blu-ray encontramos dois registos elucidativos de tal poder: uma breve e concisa apresentação do crítico e ensaísta Chris Fujiwara e a gravação de uma conversa com Pedro Costa, em março de 2020, no Institute of Contemporary Arts, em Londres..A edição de Vitalina Varela em Blu-ray surge em paralelo com o lançamento do filme em DVD. Aliás, em rigor, a caixa do Blu-ray é dupla, já que integra também o disco do DVD. Dois títulos realizados por Júlio Alves completam a oferta de extras: Companhia, uma curta-metragem de 12 minutos sobre a exposição de Pedro Costa no Museu de Serralves, e Chantal + Pedro, exercício experimental de oito minutos, aproximando o imaginário do cineasta português da obra da realizadora belga Chantal Akerman (1950-2015). São duas belas propostas de deambulação visual e sonora que, além do mais, nos recordam que a vida dos filmes se vai tecendo de muitos laços de cumplicidade, ora óbvios e festivos, ora secretos e indizíveis..A não esquecer: quer no DVD quer na caixa do Blu-ray surge um "Caderno de fotografias de rodagem", organizado, em 72 páginas, uma memória (sem texto) do trabalho de produção e rodagem de Vitalina Varela. Não é uma versão fotográfica do tradicional making of, antes um austero álbum de família capaz de nos fazer ver e sentir o cinema como um labor de duplo e fascinante empenhamento: olhar o mundo à nossa volta e reinventá-lo nas singularidades das imagens e sons.