Visitas nas prisões escapam ao confinamento e promovem circulação por todo o país
"As pessoas vêm de todo o país para as visitas, o que viola claramente o dever de recolhimento. É surreal uma instituição que serve para punir quem viola a lei estar ela própria a violar a lei e a incentivar os cidadãos a fazer o mesmo."
A denúncia de um guarda prisional chegou ao DN a meio desta semana e encontra eco por todo o país. Ao contrário do que aconteceu no primeiro confinamento geral - em que foram suspensas as visitas nas prisões -, desta vez os estabelecimentos prisionais mantêm as portas abertas a visitantes, embora com dias e horas marcadas. "Mas o país está um caos, a saúde está no limite, e depois temos estas situações que não conseguimos entender nem deveriam acontecer", denuncia José [nome fictício], um guarda prisional de um estabelecimento do norte do país, que pediu o anonimato.
O mesmo aconteceu com outros dois que aceitaram falar ao DN sobre a situação atual nas prisões. Acresce que o próprio Sindicato da Guarda Prisional está num processo de mudança (depois das eleições, que aconteceram no final do ano passado) e por isso não é ainda conhecida qualquer posição daquela estrutura representativa da classe. Contactado pelo DN, Carlos Sousa, o novo presidente, remeteu para os próximos dias uma tomada de posição sobre o assunto, adiantando apenas que tem agendadas reuniões com os organismos responsáveis para avaliar a situação.
"É preocupante que as pessoas circulem de norte para sul, do centro para o norte, na maioria das vezes em transportes públicos, se apresentem com máscaras que não sabemos há quanto tempo não são trocadas e que entrem cá dentro sem que lhes seja entregue uma máscara nova, como acontece na maioria dos hospitais, por exemplo", sublinha José, lembrando que "quer nos hospitais quer nos lares de idosos as visitas foram suspensas, e normalmente os visitantes estavam circunscritos a uma mesma região geográfica, o que aqui não acontece". Para mais, há "agregados familiares com vários elementos presos, em diferentes prisões, e as visitas circulam de um lado para o outro".
As visitas nas prisões foram retomadas em junho passado, depois de terem sido interrompidas em março, na primeira vaga de covid-19.
E a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) tenciona manter, "até indicação em contrário da Saúde Pública, as visitas aos reclusos", confirmou ao DN fonte oficial daquele organismo. A Direção-Geral invoca a norma ii) da alínea d) do art. 8.º do Decreto N.º 3- A/2021, que "consente expressamente as visitas a reclusos e a jovens internados em centros educativos", os últimos também sob a tutela da DGRSP.
Em qualquer dos casos, as visitas carecem de marcação prévia, têm periodicidade semanal e estão limitadas a um número máximo de dois visitantes por recluso, "estando todos os envolvidos nos atos de visita obrigados ao uso de máscara e ao distanciamento físico", adianta a mesma fonte.
De resto, as visitas têm lugar em "parlatórios" que foram adaptados com separadores acrílicos. "A preparação dos parlatórios implicou a instalação de 675 cabinas de visita, num investimento que rondou os 300 mil euros. Mas sempre que são detetados casos de covid-19 num estabelecimento prisional, as visitas são temporariamente suspensas até a situação estar totalmente resolvida."
Mas os guardas prisionais com quem o DN falou não confirmam o cabal cumprimento desta norma. "Nós já tivemos casos nesta segunda vaga e as visitas não foram suspensas. Da mesma maneira que, ao princípio, faziam testes a toda a gente que tivesse estado em contacto com um recluso infetado, mas isso agora não está a acontecer. Se não houver sintomas, a vida segue o curso normal dentro das prisões", adianta a mesma fonte.
Entretanto, é verdade que os serviços prisionais têm facilitado e implementado as videochamadas entre reclusos e o exterior. Em 2020 "realizaram-se 20 126 videovisitas de reclusos e jovens com familiares", revela o Centro de Competências de Comunicação e Relações Externas da DGRSP.
No final desta semana, e num universo de 20 mil pessoas (entre trabalhadores, reclusos e jovens internados em centros educativos), registavam-se 213 casos ativos entre os reclusos (são 11 239 ao todo, e há já 710 recuperados, que estiveram infetados por covid-19 nos últimos meses); apenas cinco casos ativos entre jovens dos centros educativos (até agora só houve registo de mais quatro) e 115 casos ativos entre os trabalhadores do quadro da DGRSP.
Sempre que se verificam casos de infeção que requerem cuidados hospitalares, os reclusos são transferidos para Caxias (Lisboa) ou Custoias (Porto). Ontem, ficou a saber-se que o Estabelecimento Prisional do Porto (conhecido como cadeia de Custoias), em Matosinhos, transformou um dos pavilhões em enfermaria para tratar reclusos infetados.
Para a nova ala serão ainda transferidos reclusos de outras prisões no norte do país que tenham testado positivo. De acordo com a notícia avançada pela TVI, os cerca de 150 reclusos que estavam naquela ala serão agora transferidos "para outras alas ou para outros estabelecimentos prisionais".
Recorde-se que no final da semana passada foi detetado um surto de covid-19 na referida cadeia, o que levou à suspensão das visitas.