"Visita de António Costa é ato simbólico e de elevado valor político"

No dia em que se inicia a deslocação do primeiro-ministro português ao arquipélago, Jorge Carlos Fonseca respondeu por escrito ao DN sobre as relações bilaterais e a conjuntura política no seu país.
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Como caracteriza o atual momento das relações bilaterais e que passos, em seu entender, se podem dar para reforçar e intensificar estas relações que, segundo creio ser a perspetiva em Lisboa e na Praia, são consideradas como muitas boas?

Entendemos que ao escolher Cabo Verde, um país de língua oficial portuguesa e africano, para realizar a sua primeira visita oficial o primeiro-ministro português quis, com um ato de simbolismo e de elevado significado político, marcar de forma particular e valorativa o momento, bem como o espaço que, além de incidir especificamente sobre o nosso país, corresponde a um gesto em direção à CPLP e à África, no pressuposto de que existe nele uma vontade de realizar e alcançar qualitativamente novos patamares de relacionamento, quer com Cabo Verde quer no âmbito da CPLP e do continente africano.

Enquanto Estados membros da CPLP, há algumas áreas em que os dois países podem cooperar para dinamizar a comunidade, a sua visibilidade e a dimensão no plano internacional?

Acredito que sim, já que o espaço da CPLP encerra no seu mosaico rico e diversificado potencialidades que se forem desenvolvidas e articuladas, numa base de solidariedade, complementaridade e subsidiariedade, podem ser portadoras de enormes benefícios comuns. Falo do fortalecimento de proximidades e convergências que podem emergir de concertações estratégicas, de consultas políticas e de cooperação em áreas económicas e culturais de impacto profundo e alargado. Para tanto, importa que os membros se debrucem, a partir de uma visão comummente estruturada, sobre mecanismos instrumentais e sirvam de esteio às aspirações construídas no pressuposto da existência de uma vontade coletiva e de um sentido de pertença comum. Creio que seja necessário viabilizar essa vontade comum criando movimentos e espaços de exercício ativo de cidadania e de realização bem-sucedida de negócios.

Está para breve a eleição de um novo secretário executivo da CPLP. Que perfil vê como mais adequado para o atual momento?

Acho que o nível de relacionamento entre os países da organização, baseado no sentido de franqueza, cordialidade e espírito construtivo, bem como na manifesta pretensão de buscar o bem comum são atributos suficientes para se consensualizar o perfil que deve sustentar o próximo secretário executivo. Todavia, é nossa convicção pessoal de que não só o momento na vida da organização mas também o contexto internacional sobre o qual a CPLP irá atuar deverão ser determinantes na designação do novo secretário executivo, que, além de espírito de diálogo e de promotor de consensos, deve fazer-se munir de qualidades que o tornem um interlocutor hábil, competente, ativo e respeitado no âmbito dos países integrantes como no plano internacional. Deve ser uma personalidade com "peso" político e respeitabilidade internacional.

Cabo Verde mantém uma relevante parceria com a União Europeia. Portugal, enquanto membro da UE, que papel pode desempenhar para que se torne mais efetiva essa parceria?

Portugal, como ator incontornável, tem desempenhado um papel importante na qualificação dessa parceria, contribuindo com elementos decisivos na consubstanciação de vetores tidos como estruturantes. Pensamos que os nossos parceiros portugueses têm, a partir do diálogo permanente e institucionalizado entre as partes, conhecimento das nossas necessidades prementes e imperativos estratégicos. Designadamente no que respeita às nossas apostas no âmbito da qualificação dos conhecimentos técnicos e tecnológicos, bem como na potenciação de vetores que se erguem como primordiais na alavancagem do desenvolvimento. Por exemplo, a economia marítima, o turismo, a industrialização e a prestação de serviços, entre outros.

No quadro bilateral, existem áreas ou projetos que Cabo Verde vê como sendo importantes prosseguir no curto ou médio prazo?

A biologia vai ser para o século XXI o que a informática foi para o século XX. Há igualmente a questão da mobilização da água e do agronegócio. São questões importantíssimas para Portugal (o país do azeite, da cortiça e do vinho) e para Cabo Verde, um país em busca da autossuficiência alimentar e à procura de um lugar no quadro global da distribuição de tarefas. Assim, projetos de cooperação e ações em parceria no âmbito de pesquisa e desenvolvimento de ciências da vida seriam importantíssimos. Do mesmo passo, estudos e ações no âmbito da mobilização e mapeamento de recursos hídricos e na consolidação de estratégias viradas para o acrescentamento de valor aos produtos da terra seriam projetos interessantíssimos e que poderiam juntar cientistas portugueses e cabo-verdianos. Em suma, projetos científicos na área da biologia humana e do desenvolvimento da agricultura (melhoria das espécies, luta contra pragas, conservação e transformação das colheitas, racionalização do consumo da água e da exploração da natureza) seriam projetos interessantíssimos para a cooperação e parceria entre Portugal e Cabo Verde.

Existe uma importante comunidade cabo-verdiana em Portugal. Está devidamente integrada e é devidamente valorizada?

A emigração cabo-verdiana em Portugal conheceu um boom a partir da segunda metade da década de 60 do século passado. Os problemas de integração de então a esta parte foram sendo minorados e hoje poderíamos estar perfeitamente a falar de integração plena no tecido social português. Contudo, em tempos de crise - e a que vem de 2008 a esta parte tem sido brava -, dificilmente se resiste a endossar ao imigrante a fatura pelos problemas de desemprego, insuficiência de habitação, violência e insegurança. Os problemas que os emigrantes portugueses sofrem ou sofreram lá fora são os mesmos com que os imigrantes cabo-verdianos se veem confrontados em Portugal e um pouco por todo o Sul da Europa. Creio, por isso, que hoje não se poderá falar de plena integração, mas não há dúvidas de que a emigração cabo-verdiana é devidamente valorizada e que no pós-crise ela verá reduzidos, senão completamente eliminados, os fatores que criam problemas à sua plena integração nas sociedades de acolhimento. Temos de trabalhar em conjunto para que uma tal integração se aprofunde, até porque ela será do interesse de ambas as partes, seguramente.

Este ano realizam-se eleições gerais em Cabo Verde. No caso da Presidência, considera a candidatura a um segundo mandato e como vê o facto de, em recente sondagem, surgir como o candidato preferido, com cerca de 50% das intenções de voto?

A possibilidade de um segundo mandato presidencial coloca-se, independentemente de estudos de opinião. Ela está consagrada na Constituição, pelo que deve ser considerada numa ótica do interesse nacional, da consolidação do sistema democrático e do desenvolvimento do país. Naturalmente, uma decisão dessa natureza implica uma profunda reflexão de ordem política, familiar e pessoal que terá também de ter em conta a opinião e avaliação dos cidadãos relativamente ao mandato presidencial.

Um desempenho visto como positivo é relevante?

O facto de neste momento o meu desempenho ser considerado muito positivo é, sem dúvida, um importante elemento a ter em conta, mas não será o único. Sobretudo sabendo-se que esse apoio e reconhecimento vem sendo atestado por sucessivos estudos de opinião. Praticamente, desde fins de 2011. Ser considerado sucessivamente como o presidente ideal para Cabo Verde por 73%, 75%, 78% e agora por 80% dos meus concidadãos; ou ser considerado sucessivamente como tendo um desempenho muito bom ou bom por 91,2%, 90%, 87% e agora 90%; ou ainda ter uma vantagem de mais de 18 pontos (e não 15,3 como alguma imprensa portuguesa referiu) sobre um eventual concorrente tido como o mais forte possível, tudo isso consubstancia um dado importante, reconfortante e estimulante, mas que não é decisivo, que não é o único a ser ponderado. Entre as minhas principais preocupações, no momento, estão os grandes problemas económicos e sociais que nos afetam e cujo enfrentamento exige a congregação de todas as energias. A seu tempo tomarei uma decisão a respeito das presidenciais que deverão ocorrer no segundo semestre deste ano. Se me candidatar, será também para consolidar os ganhos obtidos no processo de aprofundamento da nossa cultura democrática, a via por excelência para o reforço e a consolidação da nossa democracia. E continuar a contribuir para que num prazo não muito longo tenhamos em Cabo Verde uma democracia avançada, um Estado de direito moderno e consistente, um país mais livre, mais justo e mais competitivo.

Que balanço faz da coabitação com o atual governo do PAICV e o modo como presidentes e governos provenientes de diferentes áreas políticas têm coabitado nos últimos 25 anos desde as primeiras eleições multipartidárias?

Tecnicamente, nem se poderia falar de coabitação num sistema de repartição e partilha de poderes como o nosso. Mas percebo a pergunta. A coexistência pacífica e cooperante entre um chefe de Estado e um governo oriundos de quadrantes políticos não de todo coincidentes interpela-nos em permanência. Mas sempre aceitámos as vestes que a Constituição definiu para o presidente. Quando assim é, desde que cada um aceite os limites do seu cargo e respeite o espaço do outro, não há razão para crises. Aliás, a Constituição faz uma clara definição das funções de cada um, apesar das partilhas da responsabilidade legislativa (pela via da promulgação e do veto) e em matéria de defesa e relações exteriores. Não tivemos nenhum problema nestes quase cinco anos de coexistência. Escolhi a via da cooperação e da parceria institucional e temos trabalhado nessa base.

Sem situações de instabilidade política?

O facto circunstancial de nos primeiros 36 anos de país independente termos, quase sempre, tido presidentes e governos do mesmo partido não deu ao país maior estabilidade política do que aquela que se vive agora. Pode dizer-se, sem medo de errar, que a experiência que o eleitorado quis vivenciar resultou em cheio: nada obsta a que se tenha um presidente e um governo de quadrantes políticos não coincidentes. E com a vantagem de ser mais uma voz em defesa do Estado, da sociedade, das famílias e dos cidadãos e da Constituição, e de ser um árbitro livre de quaisquer peias. Estou convencido de que esta experiência até resultou em dinâmica democrática, constituindo, outrossim, num excelente teste ao nosso sistema constitucional, mormente ao sistema de governo. A nossa democracia está a caminhar no bom sentido. Resistiu bem a vários testes a que se viu submetida. Estamos bem colocados no ranking mundial de sociedades democráticas, mas reconhecemos que precisamos de aprofundar a nossa cultura democrática. Estamos a trabalhar para que a democracia seja mais um dos elementos enformadores da nossa cultura, ou seja, não apenas como forma de organização e de exercício do poder, mas democracia como forma de ser e estar na sociedade.

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