Viktor Orbán avisa PPE: Timmermans na Comissão será "erro histórico"
Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, escreveu uma carta ao líder do Partido Popular Europeu, Joseph Daul, avisando que se os conservadores permitirem que o socialista holandês Frans Timmermans fique como presidente da Comissão Europeia isso será um "erro histórico".
Começando por admitir que o seu partido, o Fidesz está suspenso do PPE e em nada pode influenciar as decisões do grupo político, Orbán escreve na missiva: "O apoio do PPE será uma coisa muito séria, um erro histórico até. Significaria que um partido político, que ganhou as eleições, abriria mão de um cargo pelo qual lutou".
O líder populista e nacionalista de direita húngaro prossegue: "Em primeiro lugar, acima de tudo, isso é humilhante. Em segundo, isso mina completamente a nossa autoridade e dignidade a nível mundial na política internacional. Em terceiro, isso será um revés muito sério para o Partido Popular Europeu aos olhos dos seus eleitores".
O PPE foi o partido mais votado nas europeias de maio, é certo, mas ficou longe dos resultados que conseguia antigamente. O mesmo se passou com os Socialistas e Democratas. Cresceram os nacionalistas, populistas, eurocéticos, extremistas de direita, mas também os liberais e os Verdes.
A carta de Orbán a Joseph Daul foi divulgada, no Twitter, pela ministra húngara responsável pelas relações com a União Europeia, Judit Varga. E surge numa altura em que os chefes do Estado e do governo se reúnem, a partir das 17.00 (hora de Lisboa), numa cimeira extraordinária, em Bruxelas, para acordar uma divisão dos cargos europeus antes da sessão constitutiva do novo Parlamento Europeu, marcada para esta terça-feira, dia 2 de julho.
Até agora nada está fechado, sendo até possível que, do "ponto de vista teórico", qualquer um dos três Spitzenkandidat possa ser eleito. Frans Timmermans, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros holandês e candidato dos socialistas à sucessão de Juncker na Comissão, enfrenta até a oposição de vários governos. Os outros dois candidatos são Manfred Weber, do PPE, e Margrethe Vestager, dos liberais.
O nome que vier a ser proposto pelo Conselho Europeu terá de ser apoiado por uma maioria qualificada reforçada, ou seja, precisará do voto favorável de, pelo menos, 21 governos, representativos de mais de 65% da população europeia.
A confirmar-se a nomeação do holandês, será a primeira vez, em 15 anos, que a presidência da Comissão será entregue a um socialista, depois de ser liderada, nos últimos três mandatos, por membros do Partido Popular Europeu. Primeiro com os dois mandatos de Durão Barroso e, desde 2014, com Jean-Claude Juncker.
Varias fontes garantiram ao DN que o processo ficará fechado nesta cimeira, mesmo que ela tenha de se prolongar madrugada adentro, até que haja uma posição de consenso, pois a ausência de um entendimento entre governos, pode deitar por terra o processo que, em 2014, levou à nomeação do presidente da Comissão, de uma forma que muitos consideram ser a mais democrática.
No sábado, fontes citadas pelo jornal alemão Die Welt e a agência Bloomberg indicaram que Angela Merkel terá aceitado deixar cair Manfred Weber, o candidato do PPE a presidente da Comissão Europeia, uma vez que o alemão bávaro, da CSU, é amplamente contestado, nomeadamente pela sua falta de currículo político, nunca tendo sido ministro ou primeiro-ministro sequer.
Sem citar nomes em concreto, referiu a agência Bloomberg, Merkel falou no alemão de centro-direita e no holandês de centro-esquerda. O primeiro é o candidato do Partido Popular Europeu Manfred Weber e o segundo o dos Socialistas e Democratas Frans Timmermans. "Ambos os Spitzenkandidaten, a quem eu chamo os verdadeiros Spitzenkandidaten, estão na corrida e ajudaram ambos a garantir que o processo do Spitzenkandidaten vai continuar a existir no futuro. Estamos no caminho para uma possível solução amanhã", declarou a chanceler, citada por Arne Delfs, jornalista daquela agência noticiosa.
Um acordo sobre a presidência da Comissão poderá desbloquear outro acordo sobre a presidência do BCE. É sabido que Merkel queria Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, como sucessor do italiano Mario Draghi em Frankfurt. Porém, a Itália de Matteo Salvini, o polémico ministro do Interior e líder do partido de extrema-direita Liga, recusa o alemão, temendo que as políticas rígidas de disciplina orçamental da Zona Euro, que já contesta, se tornem ainda mais rígidas.
À chegada a Bruxelas, este domingo, Macrion indicou, porém, que a discussão sobre a presidência do BCE deverá ficar adiada para outro dia. A Finlândia é o outro país extremamente interessado no cargo, apresentando nomes como o do ex-comissário europeu Olli Rehn ou o do ex-governador do banco central Erkki Likanen.
Além de Orbán, também o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, sublinhou, este domingo, citado pelo site Euractiv, que Timmermans "é um candidato que divide profundamente a Europa" e "não compreende a Europa Central, saída do colapso do comunismo". Reunidos na sexta-feira, em Praga, numa minicimeira, os quatro países do grupo de Visegrado, Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia já tinham rejeitado o holandês de centro-esquerda para presidente da Comissão. Mas também não apoiaram Weber.
"[Os quatro de Visegrado] apenas podem aceitar candidatos que compreendam os desafios da Europa Central e que sejam capazes de se identificar com os desafios dos quatro de Visegrado. Assim sendo, nenhum dos chamados Spitzenkandidaten é aceitável. Visegrado não pode apoiar nem Frans Timmermans nem Manfred Weber", escreveu, no Twitter, um porta-voz de Viktor Orbán.
O primeiro-ministro húngaro, cujo Fidesz é cortejado pelo grupo político de Matteo Salvini, Marine Le Pen, entre outros, no novo Parlamento Europeu, indicara que, depois das eleições europeias, decidiria se o seu partido saía ou se ficava no PPE. A linha vermelha que colocou, como agora reforçou, foi a de um apoio dos conservadores aos socialistas.
À esquerda e à direita a dúvida é perceber se ainda é possível salvar o processo de escolha do presidente da Comissão através dos cabeças de listas nas eleições europeias. O socialista Carlos Zorrinho não esconde a incerteza, mas acredita que tudo "é possível".
"Acho que é possível salvar o processo do Spitzenkandidat", afirma o eurodeputado, apontando que "sempre" interpretou este processo "um pouco na perspetiva daquilo que está referido na conversão portuguesa".
Quer isto dizer que "aquele que preside à Comissão não é necessariamente aquele que consegue mais votos [nas eleições europeias]", mas antes "aquele que consegue mais votos no Parlamento Europeu e que consegue uma maioria viável para ser eleito", considera Carlos Zorrinho. Ou seja, aquele que consegue montar uma geringonça à portuguesa.
Mas considera que é necessário que, na cimeira desta noite, os líderes consigam ultrapassar o impasse das negociações, entre governos, no Conselho Europeu. Zorrinho considera que "a solução para este imbróglio (...) é perceber como é que constitui uma maioria, que permita por em prática aquilo que a maioria dos europeus escolheu".
Por outro lado, o social-democrata Paulo Rangel considera pouco provável que os 28 apresentem um dos nomes das listas do Parlamento Europeu, embora "tecnicamente e teoricamente", ainda "é possível" que a escolha "recaia em algum dos Spitzenkandidat", pois nenhum deles foi "rejeitado formalmente".
No entanto, "não parece provável", a nomeação de um dos Spitzenkandidaten, "tendo em conta aquilo que foi dito por vários primeiros-ministros e até pelo presidente [francês Emmanuel] Macron, e tendo em conta aquilo que se ouve aqui, um pouco, nos corredores", afirma o deputado Paulo Rangel.
De acordo com o Tratado de Lisboa, o Conselho Europeu nomeará um presidente para a Comissão, baseando-se nos resultados das eleições europeias, depois de realizar as consultas adequadas.
Estas consultas podem ser levadas a cabo pelo presidente do Conselho Europeu, o qual explorará as diferentes sensibilidades, entre governos e famílias políticas, procurando as bases para um consenso em torno de um potencial nomeado.
O nome que for escolhido pelo Conselho, através de uma maioria qualificada, será apresentado ao Parlamento Europeu. Nesta instituição, os eurodeputados podem confirmar ou rejeitar o nome proposto, através de um voto por maioria simples.
Se for rejeitado, todo o processo de nomeação do presidente da Comissão Europeia recomeça.
O novo PE saído das eleições de maio reúne-se a partir de terça-feira, em Estrasburgo. Os eurodeputados vão eleger o seu presidente e vice-presidentes na quarta-feira. O processo foi adiado um dia.
A nomeação de um presidente da Comissão fora do conjunto de candidatos cabeças de lista nas eleições europeias colocaria o Parlamento Europeu perante uma contradição, já que a instituição sempre reforçou a ideia de que rejeitaria um nome que não tivesse sido Spitzenkandidat.
"Os grupos - em particular os socialistas e o PPE - têm um grande apreço com o processo do Spitzenkandidat [e] querem que seja um dos candidatos [a ser nomeado]", afirma Rangel, acreditando que os deputados daqueles grupos "vão manter-se nessa posição".
Porém, "se houver um candidato que tenha tido ligações muito fortes ao Parlamento, seria difícil ao Parlamento vir dizer que não. Portanto eu acho que, sinceramente, há algumas condições para ser um candidato que seja um destes. Mas isso é algo que depende muito da pessoa que foi escolhida", afirma Rangel.
Com as negociações num impasse, reina a incerteza sobre o futuro das lideranças institucionais na União Europeia, à espera que os 28 consigam desatar o nó.
Timmermans, de 58 anos, é o candidato favorito do primeiro-ministro português António Costa, que ainda antes das europeias se aliou a Macron para formar uma frente de progressistas europeus para reclamar mais poder na UE. Ex-ministro dos Negócios Estrangeiros holandês, vice-presidente da Comissão de Juncker, Timmermans é um rei do soundbyte. "Há pessoas do meu partido e de outros que estão aqui que vão votar em nacionalistas. A culpa é nossa. Parece que não convencemos os nossos cidadãos o suficiente. Há divisões. Olhe-se para este dossiê do Brexit. Hoje em dia o Reino Unido parece a Guerra dos Tronos sob o efeito de esteroides", afirmou, exaltado, no debate dos Spitzenkandidaten em maio.
Nessa ocasião, Timmermans trocou farpas com Manfred Weber, por causa de Portugal. "Em Portugal, no Porto, onde existe salário mínimo, estive com estudantes, eles pediram empregos e salários bem pagos", declarou o alemão, candidato do PPE. "Quando eu estive em Portugal o que me lembro é de quando Weber disse que era preciso punir Portugal", realçou, por seu lado, Timmermans.
Weber retorquiu lembrando que entre os responsáveis pela gestão da crise financeira estão o socialista Pierre Moscovici, o trabalhista Jeroen Dijsselbloem e agora o atual ministro das Finanças português, Mário Centeno, que preside ao Eurogrupo. Timmermans, holandês tal como Dijsselbloem, ressalvou: "Moscovici e Juncker aprovaram os planos [dos portugueses], olharam para eles, disseram que estavam Ok. Mas Weber continuou a dizer que não, não podia ser, era preciso castigá-los. A justiça é maior e há mais emprego em Portugal porque eles puseram um ponto final à austeridade".
Apesar de todo o debate, há líderes que já afastaram a hipótese de qualquer um dos nomes apresentados como cabeças de lista nas eleições europeias poder vir a ser escolhido para liderar a Comissão Europeia.
O conservador Manfred Weber, o socialista Frans Timmermans e a liberal Margrethe Vestager são sempre, até ao último momento, os potencialmente nomeados.
Mas, fora das listas, têm surgido nomes alternativos. Citando apenas alguns: o conservador francês, negociador do Brexit Michel Barnier, a socialista francesa que dirige o Fundo Monetário Internacional Christine Lagarde, ou a social-democrata dinamarquesa Helle Thorning-Schmidt são nomes falados nos corredores de Bruxelas.
Primeira mulher primeira-ministra da Dinamarca, de 52 anos, Thorning-Schmidt esteve esta semana em Lisboa e falou ao DN. Acabada de sair da administração da ONG Save The Children, questionada sobre se ambiciona um cargo europeu, Thorning-Schmidt disse: "Sou europeia, fui uma primeira-ministra europeia e considero-me não só qualificada, porque trabalhos em instituições europeias há duas décadas, mas também porque acredito que nenhum dos problemas se resolve sem mais integração europeia. Seja as alterações climáticas, seja as questões se segurança e de cibersegurança, seja regular as empresas tecnológicas, todas estas questões só se podem enfrentar se trabalharmos juntos na União Europeia. Acredito nisso com toda a convicção e, claro, cumprirei sempre o meu dever como europeia para avançarmos", afirmou na entrevista, publicada este sábado na versão em papel do DN.
De uma forma que alguns consideram romanceada há quem admita mesmo que a chanceler alemã Angela Merkel poderia ser o nome que desbloquearia uma decisão, facilitando o consenso entre governo e famílias políticas.
Nesta fase, aquilo em que todos concordam é que a incerteza domina e, antecipar um desfecho, é um exercício de especulação com sérias hipóteses de falhar.