Viagens curtas para "o infinito e mais além"
Ainda nos lembramos bem daquele momento devastador no primeiro Toy Story (1995) em que Buzz Lightyear descobre, através de um anúncio publicitário na televisão, que não é um verdadeiro astronauta mas sim um brinquedo produzido em massa. A cena acaba com ele estatelado no chão de braço partido, depois de uma tentativa falhada de voo - sob o famoso lema "Para o infinito e mais além!" Este é talvez o momento definidor de uma personagem que sempre foi mais do que um brinquedo animado. Ou, pelo menos, sempre se sentiu incumbido de algo maior, com aquele jeito de herói a postos, munido dos seus botõezinhos e asas de plástico. Buzz Lightyear, a animação Pixar que chega agora às salas, de alguma forma, nasce desse conflito interior que o fazia apresentar-se no princípio como um "ranger espacial, Unidade de Proteção do Universo"... mesmo a sério. Porque aí reside o charme humano de um eterno sentido de missão.
Essa personagem a quem Tim Allen deu voz nos quatro filmes tem agora direito a uma história exclusiva sobre a sugerida versão humana. E para se entrar devidamente no espírito revivalista, o Disney+ propõe uma curta-metragem documental, com pouco mais de meia hora, que mostra a sua evolução dentro do imaginário dos criadores da Pixar. Para Além do Infinito: Buzz e o Caminho até Lightyear regressa então às origens do traço deste "rival" do xerife Woody para revelar curiosidades como o facto de, na fase embrionária da sua conceção, Buzz ter sido um herói espacial da era de ouro da ficção científica (anos 1930), que algures a meio chegou a chamar-se Lunar Larry, entre outras variações de nomes, adquirindo por fim o feitio de um boneco mais contemporâneo. O resto do documentário é sobre o processo de trabalho à volta do novo filme, abordando-se, nomeadamente, os desafios de desenhar a humanização física do boneco a partir do tão acarinhado modelo original, que é uma das personagens mais populares do universo Toy Story.
Antes de Buzz Lightyear, o seu realizador, Angus MacLane, assinou duas excelentes curtas que se encontram na "coleção Toy Story" do catálogo Disney+: O Pequeno Buzz (2011) e Toy Story de Terror! (2013). A primeira leva-nos até um restaurante de fast-food onde um mini Buzz impostor troca de lugar com o verdadeiro, deixando-o para trás com um grupo de apoio de brinquedos rejeitados, tipo alcoólicos anónimos... A situação é giríssima e dá azo a uma terapia inteligente com final feliz e cheiro a cheeseburger. Já Toy Story de Terror! começa com as personagens dentro da bagageira do carro, a assistir a um clássico de vampiros num portátil, para depois desenvolver a aventura do "filme de terror" num motel remoto onde acontecem coisas estranhas. Um daqueles casos em que Buzz tem oportunidade para mostrar a sua inequívoca valentia, desta vez tentando tranquilizar a claustrofóbica cowgirl Jessie. É uma pequena maravilha de 20 minutos, com sustos e ação, que prova a dinâmica irresistível das personagens.
Mas há ainda mais duas curtas muito recomendáveis nesta coleção: Toy Story: Perdidos no Tempo, que dá protagonismo aos dinossauros do grupo, explorando território hostil num reino arcaico chamado Batalhopolis (com batalhossauros), onde os brinquedos se esqueceram que o são e vivem num regime demasiado violento, e Toy Story: Férias no Havai, um divertimento amoroso, passado quase todo dentro do quarto, onde a malta tenta animar o Ken e a Barbie improvisando um cenário havaiano para compensar as suas férias perdidas. Buzz é talvez o mais empenhado no exercício de animação cultural: faz uma dança tribal e fala espanhol. Um mimo.
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