Viagens ao interior do país por Ana Barata Martins

Com 27 anos, vive e trabalha em Estocolmo. Tem em curso o projeto "La Maison Portugaise", em que reflete as mudanças na paisagem.
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A viver e a trabalhar em Estocolmo, para onde se mudou em 2014, foi na capital sueca que Ana Barata Martins fez o mestrado em Belas-Artes na Konstfack - University College of Arts, Crafts and Design. "É uma formação mais prática, algo que me faltava. A Faculdade de Belas Artes [de Lisboa] tem uma base académica, teórica e de pesquisa muito forte. Ter uma prática baseada apenas em preocupações estéticas não chega. Para mim, a investigação tem de estar sempre aliada à prática", diz.

Uma investigação que tem levado Ana a percorrer o interior do país tendo a fotografia "como um meio e um fim para documentar as viagens de campo" em que o seu trabalho se baseia. "Com as imagens crio um arquivo que serve de material para a minha produção artística". Um arquivo que, no trabalho que tem em curso - sempre "in progress", brinca -, La Maison Portugaise, recorre também a outras fontes, destacando-se o Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal, realizado na segunda metade da década de 1950 e publicado em 1961.

O título em francês, explica, "é quase uma piada ou uma ironia ao estado do interior em Portugal, onde temos um misto do vernacular, do tradicional, com as maisons francesas e os chalets suíços, seja nas casas dos emigrantes, que são usadas uma ou duas vezes por ano, seja nas casas dos que ficaram na terra mas que imitam essas casas, negando o tradicional, buscando uma ideia de conforto, um estilo que seja o seu, o seu sonho".

Para além destas questões, o interesse desta jovem artista de 27 anos estende-se à apropriação do vernacular, seja pelo regime do Estado Novo, passando por iniciativas como a eleição da Aldeia Mais Portuguesa de Portugal, seja pela atual renovação da arquitetura vernacular (que utiliza na construção materiais e recursos próprios da região) com propósitos turísticos numa tentativa para travar a desertificação ou ainda os programas televisivos feitos um pouco por todo o país. "O que me interessa é o constante repensar dessa paisagem do interior de Portugal, levantando questões como o que é o interior do país, como é a sua paisagem, qual o seu futuro?", resume.

Mestrado terminado, Ana tem-se dedicado inteiramente à prática artística desde setembro. "Quando acabámos o mestrado, toda a turma alugou um prédio no sul de Estocolmo, que daqui a dois anos vai ser demolido. Cada um tem a sua sala de trabalho, organizamos exposições, concertos, e temos sempre alguém com quem trocar ideias".

Desenvolver trabalho no formato de residência artística é, para já, o que mais gosta. Algo que confirmou na residência que fez em 2015 na Lituânia e que repetirá já a partir de 16 de agosto, desta feita na Polónia. Unsolicited Works é o título da residência artística que está a organizar, juntamente com Cristina Ferreira e Kasia Sobczak. Financiada pelo Instituto Camões, as instalações site-specific daí resultantes serão mostradas em Varsóvia na primeira semana de setembro.

Como uma das quatro finalistas do Novo Banco Revelação, lamenta a mudança no formato do prémio que passou a atribuir a bolsa de 15 mil euros apenas a um finalista - este ano a Tiago Madaleno - em vez de o dividir por todos os finalistas como acontecia antes. Porque "o mais importante é concretizar o projeto apresentado e o trabalho que se pode fazer com um curador". Considera ainda ser muito cedo para estabelecer um caminho definitivo para a sua carreira. Mas sabe por onde quer seguir: "O que eu gostava era de trabalhar num meio que valorize e incentive um trabalho baseado na investigação, no qual não haja a preocupação que esse trabalho seja um work in progress, algo que se encontra em parceiros institucionais ou governamentais, e no formato de residência artística".

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