A que cheiram as memórias das vossas infâncias? Aos cozinhados da avó, ao giz na sala de aula, a uma tarde de verão à beira-mar? E se esses cheiros (ou gostos ou sensações) forem, afinal, uma das chaves para combater o envelhecimento da mente? Que papel podem ter recordações sensoriais, como estas, quando doenças degenerativas, como o Alzheimer, condenam quem delas sofre ao gradual apagamento de si mesmos? Esta é uma das questões levantadas pelo espectáculo multimédia "Cosmos within us", apresentado no Centro Champalimaud, em Lisboa..Concebida pelo artista multimédia mexicano Tupac Martir, esta experiência imersiva combina tecnologia de ponta associada à realidade virtual, paisagens visuais e sonoras envolventes, mas também perfume e toque. O objetivo é fazer com que o espectador se sinta na pele de Aiken, um homem de 60 anos que tenta desesperadamente manter a memória quando até o próprio nome começa a ser uma nebulosa. O que fazer quando, como se diz no subtítulo do espectáculo, "nós somos a nossa memória"? Um dia, os passos levam Aiken a a uma casa abandonada. Onde está e o que conduziu ali? Algo, que não consegue identificar, parece-lhe familiar. De repente percebe que aquela foi a sua morada de infância e que as presenças que lhe surgem na mente, como flashs, são as da avó e da irmã mais nova, Lilly. Por momentos, cheira-lhe, e ao espetador também, às pipocas da festa de aniversário de Lilly. Ou aos aromas da floresta onde ambos brincavam há mais de 50 anos. Aiken sofre de Alzheimer - e a sua luta é contra uma mente cada vez menor, contra o tempo, contra a perda final. Em palco, para nos contar esta história que vai do medo à redenção, estão três músicos, dois bailarinos, três designers de som, um operador visual, todos conduzidos pelo próprio Tupac Martir, na sua primeira atuação em Portugal. Cosmos Within Us estreou no 76.º Festival de Cinema de Veneza, em 2019, ganhou um prémio no 27.º Raindance Film Festival e uma nomeação ao Producers Guild of America Award..Filho de uma diplomata mexicana, nascido no Reino Unido, Tupac Martir começou por ser um craque infantil da Matemática, a quem a mãe pôs uma câmara fotográfica nas mãos: "Estás em Roma, começa a fotografar, quando fores adulto vais gostar de ver estas fotografias", disse-lhe e ele assim fez, apaixonando-se pelo mundo das artes (na universidade especializou-se na conceção de grandes espaços cénicos), sem, no entanto, perder o fascínio pela Matemática, determinante para o seu trabalho com realidade virtual. Considerado pelo Victoria & Albert Museum, em Londres, como um "Homem do Renascimento Multidisciplinar", Tupac tem um currículo feito de colaborações com grandes nomes da Música ou da Moda: foi diretor artístico da MTV, concebeu intervenções para concertos de Elton John, Beyoncé, Danny Boyle, e para desfiles de grandes nomes da industria da moda como Alexander McQueen, Vivienne Westwood, Stella McCartney, Moschino, Alexander Wang e Thomas Tait, entre outros. A sua aclamada ópera de dança, Nierka, incorporou vídeo e projeção com dança, música e iluminação, incluindo figurinos com LEDs controlados sem fio como parte da performance , e foi o primeiro espetáculo a usar a tecnologia de tempo real BlackTrax (quando a Disney e a Marvel ainda estavam a fazer as primeiras tentativas)..Diretor artístico do seu Satore Studio, hoje dividido entre Lisboa, Nova Iorque e Cardiff, Tupac está a participar numa residência artística de um ano pela Fundação Champalimaud e que faz parte do programa da instituição intitulado "Bridges to the Unknown - Crossing Art with Science". Concebido como uma plataforma em que os artistas convidados colaboram com investigadores e profissionais de saúde para estabelecer novas ligações entre ciência, nomeadamente a que se relaciona com Biologia e Medicina, e a Arte, teve Tupac e a artista plástica Clo Bougard como participantes, em diálogo com o cirurgião Pedro Gouveia. Para o futuro esperam-se novas parcerias, mas também um programa de atividades voltado para a divulgação junto de um público não especializado..dnot@dn.pt