Veterinários faturam com cães que emigram do Brasil para Portugal

Entre os cerca de 11 mil brasileiros que cruzam o Atlântico todos os anos, a maioria deles abastados, há muito cachorro na bagagem. Alguns cheios de <em>pedigree</em>. Os veterinários do Rio e de São Paulo faturam
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Nas recorrentes notícias dos últimos anos sobre profissionais liberais, grandes investidores, políticos, celebridades ou recém-reformados brasileiros que decidiram emigrar do país natal para Portugal em busca de mais segurança e qualidade de vida não há uma linha sequer sobre eles: os cães, e os outros animais domésticos, que cruzam o Atlântico, fielmente, atrás dos donos. Contas por alto, cerca de cinco mil cachorros brasileiros, não se sabe se com sotaque tropical no latido e samba na pata, chegam aos aeroportos portugueses. Ora o fenómeno já se reflete em diversos setores, inclusivamente na economia.

Em recente nota na sua coluna no jornal O Globo, o cronista carioca Ancelmo Gois noticiava que há clínicas veterinárias no Rio de Janeiro "a ganhar uma grana extra especializando-se no processo de legalização de bichinhos. Uma, na Tijuca, somente em 2018 já fez mais de 200 atendimentos".

Ao DN, um veterinário do Centro de Saúde Animal do exclusivo bairro paulistano Jardins confirmou que nos últimos anos aumentaram os procedimentos com vista à emigração de pets, principalmente cachorros. "Sim, 2018 ainda não acabou, mas em 2017 houve um aumento desse tipo de trabalho aqui na clínica, não só, mas sobretudo, por causa da emigração para Portugal", disse Thomas Marzano.

Esse trabalho inclui vacina antirrábica, exame de sangue ou implantes de chip. "Portugal e a União Europeia nem são dos destinos mais rigorosos, ao contrário da Austrália, que exige quarentena de três meses, ou do Japão, onde tudo deve ser feito em laboratórios externos, no entanto, há um procedimento europeu-padrão, que demora em torno de um mês para que os cães e os outros animais domésticos partam para o estrangeiro". Para atrair clientes, Marzano adverte: "Mais vale esperar esse tempo e ter tudo certinho agora do que não poder embarcar ou não conseguir entrar com o cachorro em Lisboa..."

Sites especializados na mudança de Brasil para Portugal, como o Morar em Portugal, já explicam, em 12 passos, tudo o que os cães brasileiros necessitam para mudar de país ao lado dos donos.

A professora Bel Silva, que já morou em Miami, conta que teve uma experiência desagradável ao emigrar para os EUA e deparar-se com uma complexa e inesperada burocracia sanitária para levar consigo a sua cadela, entretanto falecida. Como deseja mudar-se para Portugal após obter a reforma, diz que "esses trâmites serão a sua prioridade", quando quiser levar o seu atual cão de estimação.

Luana Piovani, atriz que anunciou no DN mudança do Rio para Cascais, está consciente do processo. "Não vai ser fácil a mudança, afinal não pode ser de repente: vou levar marido, três filhos, babá e... cachorro."

Mas... e quantos cães brasileiros viajaram ou estão a caminho de Portugal? Não há números disponíveis, mas pode-se calcular. Segundo as últimas estatísticas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 1,289 milhões de brasileiros visitaram o país europeu no ano passado, 11,6 mil para lá residirem definitivamente, o equivalente, mais ou menos, a um quinto de todos os novos imigrantes. Esses 11,6 mil juntam-se aos mais de 80 mil que já moram em Portugal e que fazem dos brasileiros o maior contingente de emigrantes no país.

Como o Brasil tem 52 milhões de cães de estimação, número superior ao de países europeus como Reino Unido, Alemanha ou França, e é apenas ultrapassado pelos Estados Unidos, segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Gestão e Estatística de 2016 patrocinado pelo Ministério da Saúde, supõe-se que metade dos novos emigrantes brasileiros leve, pelo menos, um cachorro no avião. Ou seja, devem chegar uns cinco mil ao ano, pelo menos, a Portugal.

Aliás, o perfil do novo emigrante - os tais profissionais liberais, grandes investidores, políticos, celebridades ou recém-reformados - ainda pressupõe a existência de maior número de cães por família nas portas de embarque. E cães, provavelmente, com pedigree.

Não há notícia de que o advogado milionário Adriano Guimarães Giannelli esteja entre os brasileiros em trânsito para Portugal, mas casos como o seu, que após seis anos de luta judicial, a oferta de dois apartamentos de luxo e dois carros por estrear, conseguiu finalmente ganhar a guarda do salsicha Mandic à mulher, ficou famoso por chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, em Brasília. Mandic, que celebrava golos do Palmeiras ao lado de Adriano, era dono de um guarda-roupa de 20 peças, metade outono-inverno, metade primavera-verão. Este pode ser o perfil do novo cão a emigrar do Brasil para Portugal.

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