Apagão na Venezuela. "Isto já não é vida"
O Governo venezuelano negou no domingo a morte de pessoas nos hospitais devido ao 'apagão', contrariando informações da oposição e de organizações não-governamentais.
"Constatamos com surpresa que nas redes sociais se fala da quantidade de mortos... é absolutamente falso", afirmou o ministro da Saúde, Carlos Alvarado, à televisão, acrescentando que "estas informações tendenciosas pretendem inquietar a população".
Segundo o ministro, 90% dos geradores elétricos estão a funcionar após uma paragem de dois dias, permitindo assegurar a vida de centenas de doentes que se encontram em estado crítico.
Quanto a números, Carlos Alvarado disse que 15 a 17 doentes foram transferidos para outras unidades de saúde, mas "sem consequências sérias".
Antes, um dirigente de uma associação defensora do direito à saúde e à vida, a Codevida, mencionara a morte de 15 doentes renais, quatro deles no Hospital Miguel Pérez Carreño, em Caracas, por falta de diálise.
Segundo o diretor da Codevida, Francisco Valencia, a situação é muito crítica para as pessoas com insuficiência renal, uma vez que a quase totalidade das unidades de diálise está parada devido à falta de eletricidade.
Posteriormente,opresidente da Assembleia Nacional da Venezuela e autoproclamado Presidente interino do país, Juan Guaidó, afirmou, através da rede social Twitter, que 15 pessoas morreram nos hospitais devido ao 'apagão' generalizado que começou na quinta-feira, acrescentando que 15 mil doentes renais estão em risco.
O ministro da Saúde alega que "todos os serviços de urgência estão plenamente operacionais".
As aulas e as atividades laborais estão suspensas novamente na segunda-feira na Venezuela, por ordem do Governo de Nicolás Maduro, devido ao 'apagão' que afeta o país desde quinta-feira.
Trata-se da segunda vez que as aulas e o trabalho estão suspensos devido à falta de eletricidade no país, e o anúncio foi feito este domingo pelo ministro da Comunicação, Jorge Rodríguez, no canal de televisão estatal VTV.
Na sexta-feira, a jornada de trabalho e as aulas estiveram suspensas devido à falha elétrica que atingiu a principal hidroelétrica do país e que o Governo de Nicolás Maduro atribui a uma sabotagem e a um ataque cibernético.
Algumas zonas da capital, Caracas, têm luz, mas de forma intermitente.
Centenas de venezuelanos estão a recorrer a regatos para "afogar" o calor e se abastecerem de água, que deixou de chegar à casa dos caraquenhos, devido ao 'apagão' que afeta o país desde a passada quinta-feira.
Ao final da tarde de domingo (noite em Lisboa) a conhecida estrada Cota Mil, que une o leste com o oeste de Caracas pelo norte, registava quilómetros de viaturas em fila com pessoas à espera para encher garrafões de água, à altura de La Castellana (leste).
Além dos carros eram ainda visíveis grupos de dezenas de pessoas caminhando, com garrafões nas mãos, ao longo dos vários regatos, aos pés da montanha de Waraira Repano (também conhecida como El Ávila), enquanto crianças aproveitavam as poças para tomar banho.
"Com o apagão deixou de chegar água e as bombas do meu edifício não funcionam. Precisamos de água para cozinhar, para lavar a cozinha e até para tomar banho, por isso vim aqui. Estou há mais de uma hora à espera e vou ficar até encher os garrafões", explicou uma mulher à agência Lusa.
Acompanhada por dois filhos, Aída Ramírez queixou-se ainda que nos últimos tempos, mesmo com energia elétrica, o serviço de água é racionado no edifício onde vive, "porque não funciona constantemente".
"Imagine-se, se com luz não funciona, sem luz menos", desabafou.
Mas de imediato sublinhou: "Isto já não é vida, todos os dias passamos preocupados por algo, porque falta algum produto, porque podem roubar a bateria do carro, por que podem roubar-nos, porque não há autocarros e agora porque não há água nem eletricidade".
A Venezuela está às escuras desde a última quinta-feira, na sequência de uma avaria na central hidroelétrica de El Guri, a principal do país, que afetou ainda dois sistemas secundários e a linha central de transmissão.
O apagão afetou as comunicações fixas e móveis, os terminais de pagamentos e a Internet.
Com o telemóvel na mão, centenas de pessoas saíram domingo às ruas de Caracas, algumas a pé e outras em viaturas, à procura de um sítio onde conseguir sinal para conseguirem comunicar com familiares, no quarto dia de um 'apagão' que afetou as telecomunicações.
O objetivo, explicou um comerciante à Lusa, era também o de tentar usar as redes sociais para ter novidades sobre 'apagão' que desde a última quinta-feira mantém a Venezuela praticamente às escuras.
"Tive que ir até La Castellana [leste da capital], onde está a torre da operadora Digitel. Aí havia algum sinal, tentei falar com familiares que estão em Higuerote, mas não consegui. Quando marcamos o número, o telefone fica 'mudo' durante uns minutos e depois cai a chamada ou de imediato dá um sinal estranho de ocupado", descreveu um lusodescendente.
Manoel de Freitas, comerciante, está "preocupado" com a situação, principalmente porque "nos últimos tempos se tem registado muita criminalidade em Higuerote, muitos casos de roubos a casas".
Margarida Andrade, também ela lusodescendente, não conseguiu falar com a família que vive em Vargas (norte), mas conseguiu saber como estavam através da rede social Twitter.
"Quando chegou a luz ao aeroporto, eles ficaram também com sinal e aí conseguimos trocar algumas mensagens, sei que o meu pai e mãe estão bem. Depois ficaram novamente sem sinal. Pensava ir até lá mas há problemas com o transporte, terei que esperar", disse.
Através do Twitter, os utilizadores estão a trocar mensagens indicando os sítios onde existe sinal das operadoras telefónicas que funcionam no país.
Pelas 19:00 horas locais (23:00 horas em Lisboa) era difícil circular pela rotunda de La Castellana, porque dezenas de motoristas tinham parado as suas viaturas tentando usar o sinal da Digitel.
Por outro lado, outros utilizadores optaram por ir até Los Palos Grandes, junto da Torre Movistar, para aproveitar o sinal daquela operadora.
Em El Paraíso (centro) na Avenida Libertador de Caracas e em Chacao (leste), alguns estabelecimentos comerciais, que funcionavam com gerador elétrico, abriram os sinais de 'wi-fi' para que a população pudesse ligar-se às redes sociais.