Veneza de novo inundada neste domingo
Ainda a limpar os estragos das inundações mais graves do último meio século e a contabilizar os seus prejuízos, que deverão ascender a cerca de mil milhões de euros, de acordo com o presidente da câmara, Luigi Brugnaro, Veneza continua a braços com novos episódios de acqua alta (maré alta), embora de menor dimensão. Neste domimgo, as águas subriram até os 150 cm, voltando a inundar grande parte da cidade.
Para lá de todos os fatores que influenciam as marés na Lagoa de Veneza, e que incluem tanto causas naturais como as causadas pelas intervenções humanas naquela região, a meteorologia não está ajudar. Por um lado, a chuva que continua a cair na região contribui para o aumento da massa de água e, por outro, o vento de sul, o Siroco, que tem soprado forte nestes dias, favorece ainda mais as inundações.
Neste domingo, as águas voltaram a atingir um valor elevado (150 cm) que, embora mais baixo do que o recorde atingido na semana passada - 187 cm, o valor mais alto desde há meio século -, voltou a causar inundaç~eos nas áreas mais baixas da cidade, entre as quais se inclui a Praça de São Marcos e a sua icónica catedral, que foram de novo encerradas aos público.
Os episódios de acqua alta fazem historicamente parte da vida de Veneza. Causados por um complexo conjunto de factores naturais e de origem humana têm vindo a agavar-se nas últimas décadas, quer em frequência, quer em intensidade. E as alterações climáticas, que estão a acelerar a subida do nível do mar, também já têm aqui a sua assinatura, agravando os episódios de acqua alta.
Ligada ao mar Adriático, protegida apenas por uma barreira de ilhas e línguas de areia, a lagoa de Veneza sofre a influência das suas marés, que por sua vez são também condicionadas pelos ventos característicos da região: o Bora, que sopra de norte, e o Siroco, que sopra de sul. É este último que, empurrando as águas para norte, funciona como um travão ao fluxo da água da lagoa para o mar Adriático, o que, em situação de acqua alta, contribui para agravar o fenómeno.
Mas as intervenções realizadas na lagoa ao longo do século XX também foram decisivas para que as marés altas se tornassem mais graves.
Como afirmou ao DN o investigador italiano Andrea Zille, do Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil da Universidade do Minho, que estudou a hidrogeologia da região de Veneza para a sua tese de licenciatura, em Ciências do Ambiente, "este fenómeno sempre existiu, mas agravou-se nos últimos 150 anos devido às alterações introduzidas na lagoa pelas atividades humanas".
Estre estas, as actividades portuárias e as mudanças que implicaram na lagoa foram decisivas. Por um lado, a exploração portuária e industrial utilizou durante décadas a água de um aquífero sob os sedimentos da lagoa, o que acabou por alterar o equilíbrio hidrogeológico da zona. Resultado: as ilhas da região, Veneza incluída, começaram a afundar-se mais depressa.
Chama-se a isso subsidência, o movimento do solo para baixo, que produz uma descida em relação ao nível do mar. A exploração dessas águas subterrâneas acabou por ser proibida e a velocidade dessa subsidência já diminuiu, para 1,2 a 1,5 milímetros ao ano. Mas as obras que tornaram a Lagoa de Veneza acessível aos navios de grande porte,abriram a portatambém à entrada de maiores quantidades de água na subida da maré, e agravaram a situação.
"A profundidade no acesso à Lagoa duplicou e permite um fluxo muito elevado de água, que contribuiu para causar a inundação", explica por seu turno Luca Campenni, antigo investigador do Instituto Superior Técnico e hoje engenheiro na Microsoft, que viveu em Veneza até aos 26 anos e conhece bem o problema.
Quando a entrada na lagoa não era tão profunda, sublinha Luca Campenni, "a água demorava muito mais tempo para encher a lagoa, permitindo que a maré baixasse e o fluxo se revertesse, com a água a sair da lagoa antes de chegar a níveis tão altos".