Vaticano impõe fim do silêncio sobre abusos sexuais
Sacerdotes, religiosos e religiosas vão ter a obrigação de denunciar imediatamente casos de abusos sexuais - atuais ou antigos. Os membros da Igreja Católica que tenham encoberto esses comportamentos também terão de ser denunciados - ainda que a um bispo da própria igreja. É uma verdadeira limpeza na Igreja Católica, após anos de revelações de abusos envolvendo os seus membros.
O Papa Francisco promulgou ontem uma lei que impõe novas regras na forma como os crimes de abuso sexual têm sido tratados pela Igreja Católica. A carta apostólica "Vos estis lux mundi" ( "Vós sois a luz do mundo") impõe a obrigação de denunciar não só o abuso sexual de menores, mas também o uso ou a distribuição de pornografia infantil e juvenil e o abuso sexual de adultos.
O documento impõe a notificação obrigatória dos casos a sacerdotes, diocesanos e religiosos, mas também a convidados ou a qualquer leigo que destes tenha conhecimento. As vítimas têm sempre direito a apoio e a atenção prioritária, dita a carta.
O cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação dos Bispos, disse ao jornal ABC que as denúncias devem incluir casos de abuso de freiras por padres ou abuso de seminaristas pelos seus superiores. E aponta para o facto de o documento estabelecer que aqueles que denunciam "não podem ser submetidos a preconceitos, represálias ou discriminação."
As novas regras entram em vigor no dia 1 de junho e põe fim à "lei do silêncio", uma vez que a denúncia dos abusos passa a ser uma obrigação. A mais crucial é a que pretende retirar da sombra os bispos que permanecem sem ser denunciados.
O artigo 6 da carta apostólica estabelece que o novo escritório diocesano irá recolher queixas contra "cardeais, bispos, patriarcas e legados (núncios) do Romano Pontífice" e contra outros padres. As queixas contra bispos e superiores podem acontecer na própria diocese ou noutra, mas também "podem ser enviadas à Santa Sé diretamente ou através do Representante Pontifício", ou seja, a nunciatura.
O único segredo que permanece e permanecerá inalterado é o da confissão.
Após a receção da denúncia, o processo será vertiginoso: o bispo deve informar imediatamente Roma e a Santa Sé deve responder no prazo de 30 dias. A cada 30 dias deve ser feito um ponto da situação e o processo dem de estar concluído em três meses (90 dias). Se as vítimas o solicitarem, serão informadas do resultado.
No entanto, o documento não impõe a denúncia às autoridades como norma universal, "porque há países em que os cristãos vivem sob uma justiça muito corrupta ou mesmo perseguição religiosa", justifica-se..
As sanções mais graves passam pela expulsão do membro do sacerdócio (e automaticamente do episcopado), e são confirmadas pelo Papa.
A "Vos estis lux mundi" é das primeiras medidas concretas conduzida pelo Papa no sentido de lutar contra o abuso sexual no interior da Igreja católica e perpetrada pelos seus próprios membros e líderes religiosos.
Já em março foi aprovada uma lei semelhante pelo Estado do Vaticano, que também estabeleceu as denúncias como obrigatórias e aumentou o prazo de prescrição para estes crimes de até vinte anos após a vítima atingir a maioridade - é a legislação civil a chegar mais longe nesta matéria.