Van Dunem nas bases do PS: este OE é o "que foi possível"
"Fico muito contente por ver esta sala tão composta. É sinal da importância que esta comunidade atribui ao Orçamento de Estado e do seu envolvimento político".
Francisca Van Dunem, titular da da pasta de Justiça, foi a ministra escolhida para explicar aos militantes do PS de Leiria as linhas com que se cose o Orçamento de Estado para 2016. Uma estreia da antiga procuradora-geral distrital de Lisboa nas lides partidárias.
A ministra da Justiça chegou à hora marcada a Leiria, sem segurança pessoal, e apenas acompanhada pelo casal Margarida Marques e Porfírio Silva, ela secretária de Estado dos Assuntos Europeus (foi cabeça de lista do PS por Leiria nas últimas eleições) e ele secretário nacional do partido e também deputado.
"Faço isto no cumprimento do meu dever. É uma obrigação democrática de primeira linha. As pessoas são eleitas, governam, devem explicar o que fazem e como fazem", começou por dizer à ministra, que levava um discurso escrito de onde procurou não se desviar, no que ao OE diz respeito.
No entanto, fez desde logo um preâmbulo: "Neste momento existe uma opinião publicada, radiodifundida e televisionada que fala de fragilidades e cedências, quando nada disso se passa. É importante que todos tenhamos em nosso poder os dados para defender este Orçamento quando ele estiver a ser atacado", disse a ministra, deixando aos presentes um apelo sucinto: "Não se deixem intoxicar nem tão pouco abater por essa ideia de fragilidade."
Mais tarde, já no período de debate, a governante haveria de encontrar apoio nessa ideia por parte de alguns militantes socialistas na sala. Luís Pinto, por exemplo, considerava mesmo que o PS "tem de rever os seus porta-vozes, porque a nossa comunicação é péssima". Mas isso foi depois de Francisca Van Dunem se debruçar sobre os compromissos que o OE assume (ou terá de assumir), e que resultam no que considerou "um equilíbrio complexo". Referia-se aos compromissos com o eleitorado e com o programada de Governo aprovado no Parlamento, mas também aos outros (mais difíceis de gerir) no quadro da União Europeia, sem esquecer o que resulta dos acordos com o BE, o PCP e o PEV.
E esse foi um dos temas da sessão, sempre tocado com pinças pelos diversos intervenientes. José Miguel Medeiros, por exemplo, referia-se aos "parceiros à esquerda que suportam o governo", nomeadamente aos partidos "que pela primeira vez são puxados a responsabilidades que até há pouco tempo sempre recusavam assumir". Os mesmos (PCP e BE) que durante a tarde de ontem em Leiria acabariam por ser elogiados na sala por algumas intervenções, na medida em que "dizem com clareza o que se passa e desmontam a barreira criada pelos partidos da direita", sublinhava Pedro Biscaia.
"Estamos todos a aprender", sublinhou José Miguel Medeiros, presidente da federação do PS de Leiria, que já integrou governo e é atualmente deputado na Assembleia da República. "Como diz o António Costa, este é o ponto de viragem da página", disse, certo que estamos perante o "o orçamento mais difícil, que exige uma capacidade de controlo de execução como talvez nenhum outro, antes". Ele, a secretária de estado Margarida Marques e a ministra da Justiça acabariam por fazer um coro de crítica à direita europeia, "que não se conforma que exista um caso como o de Portugal que, se tiver êxito, vai deitar por terra o que foram as políticas de austeridade cegas", afirmou Medeiros.
Repor rendimentos
"A grande marca deste OE é a reposição das condições de vida dos portugueses", sublinhou a ministra, apontando alguns dados: "O rendimento as famílias aumenta 3,6 em termos nominais e 2,5 em termos reais. Globalmente estamos a falar de 700 milhões de euros só para a reposição das condições de vida", contando com o aumento do salário mínimo, reposição de salários da Função Pública, redução das taxas moderadoras, atualizações das pensões de reforma e aumento de diversos subsídios, melhorando a proteção social. Van Dunem classificou-o como "um orçamento responsável, que assegura respeito pelos compromissos e introduz medidas que permitem realizar o programa do governo".
É verdade que o caso Banif veio complicar as contas. Mas desse assunto quem falou foi Margarida Marques. Aliás, a ministra avisou que seria a secretária de Estado a falar "do processo de negociação com Bruxelas", e o assunto acabou por entroncar na conversa. "Negociámos, ganhámos e fizemos diferente", declarou Margarida Marques, ela própria ex-técnica da Comissão Europeia.
"Há muitas contradições entre as regras e o discurso político. As regras eram umas quando começámos a debater o OE e foram mudando, em função do que apresentámos. Hoje são fortemente orientadas para um travão ao crescimento". E no caso do Banif "a atitude foi completamente diferente daquela que a Comissão Europeia teve relativamente ao Novo Banco, com o governo anterior". A esse respeito, Margarida Marques apontou críticas aos deputados do PSD e CDS, "influenciados pela sua família europeia".
"Se me perguntarem se este é o Orçamento de que gosto, que queria, com certeza que não. É um orçamento feito de escolhas, é o que foi possível, com espaço de manobra muito curto", concluiu a ministra da Justiça.
Dezasseis dos 17 ministros do governo chefiado por António Costa estiveram ontem por todo o país em sessões de esclarecimento com militantes e simpatizantes socialistas sobre o Orçamento do Estado para 2016. O único a falhar foi o titular da pasta da Cultura, João Soares, que está com o primeiro-ministro em Berlim a assistir ao festival de cinema, ao qual concorreram vários filmes portugueses. Hoje haverá uma última sessão, em Portalegre, com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O próprio António Costa já tinha protagonizado duas sessões destas, uma no Porto (no sábado passado) e outra em Lisboa (na quarta-feira).
No início de março o Executivo de António Costa celebrará cem dias de governação. A direção nacional do PS prepara uma ação de prestação de contas.