Alexander Stubb: "Valores europeus estão sob ataque dentro da própria UE"

Ex-primeiro-ministro da Finlândia, triatleta de distância Ironman, Alexander Stubb, de 50 anos, está na corrida para ser o candidato do Partido Popular Europeu à presidência da União Europeia. Esteve em Lisboa e falou ao DN.
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Desportista, com um enorme sentido de humor, Alexander Stubb, de 50 anos, explica porque quer ser o candidato do Partido Popular Europeu (PPE) à presidência da Comissão Europeia.

"A razão pela qual entrei na corrida é uma crença muito forte na UE. Acredito nos valores europeus. Argumento que o melhor modelo de sociedade assenta em três coisas: democracia liberal, economia de mercado e social e globalização. Estes valores estão sob ataque. Por parte dos EUA de Donald Trump, por parte da China, da Rússia, que não acredita na democracia... Agora no Brasil. E dentro da própria União Europeia", disse nesta sexta-feira ao DN, em Lisboa.

O ex-primeiro-ministro da Finlândia, que também foi ministro dos Assuntos Europeus, das Finanças e dos Negócios Estrangeiros, esteve na capital portuguesa a participar na iniciativa Escola Europa, organizada pelo PSD e pelo PP espanhol com o apoio do PPE. Casado, com dois filhos, é atualmente vice-presidente do Banco Europeu de Investimento, cargo do qual tirou uma licença de cinco semanas para fazer campanha.

O PPE irá escolher o seu candidato à sucessão de Jean-Claude Juncker no congresso do partido, em Helsínquia, na Finlândia, precisamente. O evento está marcado para os dias 7 e 8. Antes da decisão final dos delegados, haverá um debate, no dia 7, entre Stubb e o seu rival, o eurodeputado Manfred Weber, que vem da Alemanha de Angela Merkel.

É um triatleta de distância Ironman.
Eu sou aquilo a que chamam um MAMIL - Middle-Aged Men in Lycra (homem de meia-idade vestido de lycra). E tenho orgulho nisso. Sempre fiz desporto. Desde criança. Cheguei a jogar no Estoril Open em Portugal em 1989. Depois, aos 40 anos, comecei a correr. Tornei-me mais ativo. Mas fazia lesões com muita frequência. E um colega sugeriu-me que fizesse bicicleta e natação. Eu detestava ambos. Mas depois comecei a fazer. E ainda faço. Mas com moderação. Hoje [sexta-feira] de manhã corri aqui uns 10 km só para treinar (e mostra fotografias que foi tirando pelo caminho e postou no Instagram).

Nesta corrida para ser o candidato do Partido Popular Europeu (PPE) à presidência da Comissão Europeia, qual é a fase da natação, da bicicleta e da corrida?
Esta primeira fase agora é a da natação. As cinco semanas de campanha, para as quais tirei licença do Banco Europeu de Investimento, até ao congresso do PPE, em Helsínquia, na Finlândia. A fase da bicicleta será a que vai desde 8 de novembro até às eleições europeias do final de maio. E depois a fase da corrida será, depois das eleições, tentar formar uma coligação na Comissão Europeia que toma posse em novembro. Portanto, no fundo, é um processo de um ano. Agora estou no último nível da fase da natação, já um pouco cansado, porque saí no passado domingo de casa, fui para Bucareste, Varsóvia, Paris, Lisboa e depois para Atenas. A seguir regresso a Helsínquia, via Istambul, no domingo.

E como está a nível de apoios? Conseguiu o apoio do PSD e do CDS-PP? Aqui em Portugal?
Eu não venho pedir apoio. Venho apresentar-me e ter uma conversa. E depois cada um decide. A nível pessoal, conto com o apoio de todos os países da UE, sem qualquer dúvida. A nível de apoio público, claro que Manfred Weber tem muito mais, pois é como se fosse um jogo de futebol entre a Finlândia e a Alemanha. Venho de um país pequeno, da periferia da Europa, como Portugal. Vamos ver que hipóteses tenho em Helsínquia. Saio em vantagem por jogar em casa. Mas não sei.

Terá um debate com Manfred Weber no próximo dia 7...
Sim. Um debate de 30 minutos, às 19.30, de uma quarta-feira à noite. Mas é melhor do que nada.

O seu rival é o eurodeputado alemão Weber ou a Alemanha da chanceler Angela Merkel?
Acho que nem uma coisa nem outra. A razão pela qual entrei na corrida é uma crença muito forte na UE. Acredito nos valores europeus. Sei que saí da política em 2016. Mas esse foi também o ano da eleição de Donald Trump e do brexit e, desde então, sinto esta necessidade de me exprimir sobre os valores europeus. Argumento que o melhor modelo de sociedade assenta em três coisas: democracia liberal, economia de mercado e social e globalização. Estes valores estão sob ataque. Por parte dos EUA de Donald Trump, por parte da China, da Rússia, que não acredita na democracia...

E agora no Brasil...
Agora no Brasil. E, claro, dentro da própria União Europeia: Polónia, Hungria, Itália, Roménia e etc... E eu acredito que, quando enveredamos pela estrada do iliberalismo, é muito difícil voltar. Por isso senti, de forma muito forte, que é tempo de erguer as barricadas e defender estes valores. De muitas formas, não sinto que sou rival da Alemanha, da chanceler, de Weber. Sou, basicamente, pró-europeu. Sei que pode parecer um pouco foleiro. Mas sinto-me bem por, em quatro semanas, ter conseguido fazer uma campanha totalmente diferente. Consegui um feedback muito positivo de muitas pessoas de todo o mundo, tenho um programa com as minhas ideias, traduzido por voluntários, em 15 línguas, sendo uma delas o português. Fui eu próprio quem escreveu e decidiu intitulá-lo "A próxima geração da Europa". Até tenho uma versão em ucraniano.

No caso da Alemanha, por exemplo, acha que a ascensão do partido de extrema-direita AfD ajudou a acelerar a saída de cena da chanceler Angela Merkel?
Não. Provavelmente não. Quando és chanceler há 13 anos e líder do partido há 18, chega uma altura em que pensas que talvez seja melhor continuar a vida por outro caminho. Como ex-primeiro-ministro, sempre digo, costumava dizer ao Pedro Passos Coelho, que é um bom amigo, que o melhor título do mundo é o de ex-primeiro-ministro. Porque já fizeste esse trabalho e seguiste em frente. Então não o acho que tenha sido a subida da AfD. Apenas um sinal dos tempos.

Como acha que a história vai lembrar Merkel?
Eu acho que como um ícone da estabilidade na Europa. Uma grande líder europeia. Das melhores que alguma vez tivemos. Tenho muito respeito por ela. Ela ajudou-me muito quando eu era primeiro-ministro. Foi à Finlândia três semanas antes das eleições. Foi um grande gesto. Eu falo alemão. O que também ajuda. Também me lembro de que, quando era primeiro-ministro, fui correr a Maratona de Berlim. No domingo à noite ela veio ter à residência do embaixador e tomámos vinho. No dia seguinte, já com todos os preparativos oficiais, havia uma degrau que tínhamos de subir para ouvir os hinos nacionais, mas, como estava dorido nas pernas por causa da corrida, pedi que me ajudasse a descer. E ela ajudou. Tenho boas memórias delas. Ela não está acabada ainda.

No que toca às eleições europeias, acha que o partido do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, o Fidesz, vai acabar por sair do PPE?
Eu sou muito duro em relação a isto, em relação aos valores, então acho que é preciso haver um processo de três fases: a primeira é um diálogo aberto e franco com ele, a segunda é que ele tem de assinar, preto no branco, no papel, que se compromete com os valores do PPE, a terceira é que se ele assinar, muito bem, continuamos e monitorizamos, se não assinar está fora do PPE. Espero que encontremos uma solução equilibrada, mas se não for possível tomarei medidas para que saia. Ele incita ao ódio e ao medo e, para mim, isso não é liderança. Liderança é sobre esperança. Além disso, ele fala de democracia iliberal e, no meu entender, isso é, só por isso, uma contradição. Ou se é democrata e liberal ou não se é democrata. De todo. Por isso não partilho os valores que ele promove, não gosto do facto de ele escrever cartas à Aurora Dourada, que é um partido neonazi grego. Não gosto do seu alinhamento com Matteo Salvini. Isto é muito desconfortável. Para mim, isto não é a Europa. A Europa não é sobre nacionalismo. Não é ódio.

Sobre os desafios do próximo ano. Teremos brexit ou não?
Se tivesse de apostar o meu dinheiro nisso, diria que provavelmente sim. O único país que pode fazer descarrilar o brexit é o próprio Reino Unido. E isso significaria um voto que não passaria no Parlamento. À questão se a primeira-ministra Theresa May tem uma maioria para um soft brexit, a resposta é que, provavelmente, não. Tem maioria para um hard brexit ou corte de relações com a UE? Provavelmente não, também. Não sabemos. É uma pergunta difícil. Quem me dera que não acontecesse. Mas vejo as coisas de forma pragmática e realista.

Mas como vê a forma, um pouco caótica até, como as negociações têm decorrido? Com acusações de Bruxelas a Londres e vice-versa?
Oh... isso é a maneira europeia de negociar. Eu já aprendi isso. Negociei os tratados de Amesterdão, de Nice, de Lisboa. É sempre assim. Devemos acabar com a ilusão de que a UE é prefeita. Há sempre três fases: primeiro há uma crise, que é o resultado do referendo pelo brexit, depois há o caos, que é onde talvez estejamos agora, depois há uma solução de última hora. Vai acontecer. Vai haver acordo. A questão é se a primeira-ministra vai conseguir ver aprovado esse acordo no Parlamento.

E dentro do seu próprio Partido Conservador...
Exato. Não invejo o lugar dela. Tem de defender uma coisa na qual não acredita. Ela sabe que no fundo o brexit é um mau negócio para o Reino Unido e para o resto da Europa. E monopoliza toda a sua agenda. Ninguém fala noutro tema. No tempo de Tony Blair falava-se na Terceira Via. No de David Cameron, no desempenho económico e conservadorismo moderno. E agora? De que falam as pessoas? Do brexit.

Também foi primeiro-ministro, ministro da Europa, das Finanças, dos Negócios Estrangeiros, em tempos agitados. Ainda agora vi uma fotografia sua de arquivo a discutir no Eurogrupo com o ex-ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis...
[risos]

Como é que, sete anos depois do resgate financeiro da troika, vê a situação de Portugal?
Vejo com um certo grau de gratidão. O que o governo de centro-direita de Passos Coelho teve de fazer, na altura, foi duas vezes pior do que o que eu tive de fazer como primeiro-ministro e ministro das Finanças. Tive de fazer muita austeridade. Mas não compreendes a austeridade enquanto não passas por ela. De muitas formas, olho para trás e penso como é que passámos por isto tudo? Foi uma crise causada por externalidades, Lehman Brothers, crise financeira, crise da dívida soberana, crise do euro. O que a Itália está a fazer é a dar um tiro no próprio pé. Muitas das medidas que Portugal tomou na altura foram duras, foram difíceis, mas foi a coisa certa a fazer. É por isso que o país hoje está bastante melhor. Eu costumo dizer na brincadeira que, quando me tornei ministro dos Negócios Estrangeiros, em 2008, tudo começou a correr mal: guerra na Geórgia, a falência do Lehman Brothers, a crise financeira, a crise do euro... depois quando saí, em 2016, a economia finlandesa já estava bem, com o emprego a subir, portanto, há coisas que podes influenciar, outras coisas não. Eu não estive diretamente envolvido no caso português, mas no grego sim. O nosso governo esteve à beira de colapsar por causa da Grécia. Porquê? Porque não é fácil dizer às pessoas que têm de pagar o resgate de outro país.

O atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, sugeriu que a Itália pode ser a próxima Grécia da zona euro. Concorda?
Bem, se continuarem pelo caminho que vão, será algo autoinfligido. Não é possível ter, em tempos bons, em tempos bons, sublinho, um défice de 2,4% do PIB durante três anos. O que basicamente significa 40 mil milhões de euros de dívida por ano. O orçamento anual da Finlândia é de 55 mil milhões de euros. Como é que se explica às pessoas que este pais, com este nível de dívida, pode ainda ter de ser resgatado e que elas é que vão ter de pagar? É praticamente impossível. Querem os contribuintes portugueses a resgatar Salvini?

A questão é: é Itália? Ou Matteo Salvini e Luigi Di Maio?
É um casamento entre o populismo de direita e de esquerda.

As instituições europeias, quando enfrentam este tipo de desafios com Salvini a dizer que podem mandar cartas até ao Natal que ele não vai alterar a proposta do Orçamento de Itália, o que podem fazer? O que pode realmente fazer a Comissão Europeia? O que deveria mudar?
É preciso lembrar que antes da crise a Comissão não podia dizer nada sobre os orçamentos nacionais. Agora pode. Fez-se um longo caminho desde 2008. Um caminho é o da pressão, dos procedimentos e das sanções por parte da Comissão. O outro é o da reação dos mercados. Quando os mercados começarem a ver problemas, haverá reação, então o governo italiano terá de reagir. É só uma questão de tempo, na verdade. Os spreads deles já são o que são. Não é preciso ser economista para ver os riscos que existem aí. Assim que começar a haver reação dos mercados, o governo italiano vai voltar a entrar na linha. Será uma combinação de duas coisas: pressão da Comissão e dos mercados.

Podemos esperar ver Matteo Salvini ter o seu momento Aléxis Tsipras, que quando chegou a primeiro-ministro na Grécia prometeu expulsar a troika e depois, no fim de contas, acabou a pedir um terceiro resgate financeiro?
É uma boa forma de pôr as coisas.

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