Utentes do Lar Militar temem que polo de Alcoitão os "empurre para um canto"

Cruz Vermelha poderá ceder à Santa Casa aproximadamente dois terços do espaço do Lar criado em 1971 para apoiar militares com elevado grau de deficiência. Comissão de Residentes alertou Presidente da República, Parlamento e Governo.
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Os utentes do Lar Militar da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) estão em pé de guerra com um projeto de cedência de espaços à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (para funcionar como um polo do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão), que dizem estar a ser feito nas suas costas e que, temem, os vá "empurrar para um canto", soube o DN.

De acordo com o que o DN apurou, a Comissão de Residentes do Lar Militar - junto à rotunda do Relógio, em Lisboa, e que serve atualmente 27 pessoas - enviou há uma semana cartas de alerta ao Presidente da República, à Associação de Deficientes das Forças Armadas (ADFA), à Comissão parlamentar de Defesa e ao ministro da tutela - que deslocou quinta-feira uma representante ao Lar "para auscultar os residentes quanto ao projeto da CVP".

O presidente da ADFA, coronel Lopes Dias, disse ao DN que a associação também escreveu esta semana ao ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, a manifestar a sua discordância frontal com um projeto de que só teve conhecimento "por boca e muito vagamente" apesar de a ADFA ter assento no Conselho Consultivo do Lar - "onde o assunto deveria ter sido apresentado e com documentos". "Já reagimos a dizer que não concordamos, pelo menos até nos explicarem o que representa" esse projeto "e para não pôr em causa, a título nenhum, os princípios do Lar", muito menos "prejudicar os grandes deficientes militares dependentes e aqueles que, pela idade, estão a ficar agora" também dependentes", adiantou Lopes Dias, que foi convocado para participar esta sexta-feira numa reunião no Lar Militar.

O Ministério da Defesa, que tutela a CVP, confirmou ao DN saber da intenção da CVP "ceder, a título oneroso, [...] parte das instalações do Lar Militar, na capacidade sobrante, para aí instalar um centro de medicina de reabilitação".

No entanto, fonte do gabinete de João Gomes Cravinho disse ter sido traçada uma linha vermelha à CVP: "Nenhum projeto poderá ser desenvolvido sem que haja consulta aos órgãos de direção e aos órgãos consultivos do Lar Militar e sem que seja obtido o acordo destes." O projeto a desenvolver "terá de respeitar a missão e o regulamento" da instituição, assim como terá de "garantir a salvaguarda absoluta das condições dos seus utentes e residentes e da continuidade do apoio assegurado pelo Estado Português aos grandes deficientes", frisou a mesma fonte.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa disse ao DN que o projeto, já "em fase final de conclusão" com a CVP, será um polo do seu Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. As intenções da Santa Casa aparentam ser diferentes das que os residentes e a ADFA disseram ter-lhes sido transmitido informalmente: além de só ocupar "a metade" do Lar que está sem utilização, não afetando a área ocupada pelos residentes, estes irão ter acesso aos serviços do futuro centro, afirmou fonte oficial ao DN.

Por saber está o prazo da concessão do espaço e o valor mensal a pagar pela Santa Casa, admitindo-se que esse acordo possa ter como base de partida os valores do protocolo existente entre o Lar Militar e o Hospital das Forças Armadas (HFAR). Certo é que parece haver complementaridade entre o polo de Alcoitão que a Santa Casa pretende ter em Lisboa e a atividade do Lar Militar, pois funciona com uma unidade de internamento, um centro de consultas e outra unidade de medicina física e de reabilitação.

Com a direção do Lar Militar a não querer falar ao DN, fontes ligadas aos utentes do espaço e seus familiares garantiram que o assunto tem sido tratado com grande secretismo por parte da CVP e que o teor do protocolo a celebrar com a Santa Casa chegou ao conhecimento da Comissão de Residentes "como um facto consumado". Isso mesmo, adiantaram, foi dito na carta dirigida ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que visitou o Lar em junho passado.

Segundo as fontes, a CVP pretende ceder cerca de 2600 metros quadrados do edifício do Lar à Santa Casa, ficando os atuais utentes limitados a cerca de 800 metros e perdendo os espaços da enfermaria e do salão de festas, além de ficarem restringidos na utilização do jardim.

Acresce, insurgiu-se uma das fontes, que os utentes ficarão "obrigados, assim como os seus familiares, a entrar pela parte lateral do edifício" - passagem que não existe e será expressamente feita com esse propósito, aproveitando uma porta do que é agora a sala de convívio dos residentes.

Tudo somado, o que os utentes do Lar e os seus familiares temem - e transmitiram a Marcelo Rebelo de Sousa - é o seu "empurrar para um canto" do Lar Militar criado há 48 anos (junho de 1971) e que "vai contra os princípios" para os quais foi criado: "acolher e reabilitar grandes deficientes militares dependentes" proporcionando-lhes "apoio médico-sanitário e bem-estar psíquico e moral".

Note-se que o Lar pode receber civis em circunstâncias físicas semelhantes, mas a título provisório e condicionado à existência de vagas.

Na carta dirigida ao Presidente da República, os utentes lançaram um apelo expresso ao Comandante Supremo das Forças Armadas e ainda presidente honorário da CVP: "Zele pela nossa condição, pelo nosso bem-estar, tal como prometido" aquando da visita feita em junho.

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