Usar ar condicionado ou proteger o planeta?

A recente vaga de calor em Portugal levou a uma explosão na venda de equipamentos como os aparelhos de ar condicionado e a um consumo histórico de eletricidade. Um aumento leva a outro que leva a outro. E será cada vez mais assim. Se nada for feito. Haverá sempre um preço a pagar. Mas por quem, como e quando? Por nós - no imediato - ou pelo planeta - mais tarde?
Publicado a
Atualizado a

Quem já os tinha usou-os ao máximo, quem não os tinha foi a correr comprá-los, tendo que esperar nalguns casos em filas. Os aparelhos de ar condicionado - tal como as ventoinhas - foram o escape que permitiram a muitos lidar, no imediato, com a recente vaga de calor em Portugal.

Na Worten, por exemplo, segundo dados gerais e preliminares enviados esta quarta-feira pela empresa ao DN, nos primeiros dias deste mês de agosto foram vendidos "22 vezes mais ares condicionados e ventoinhas do que em igual período em 2017".

Segundo a REN - Redes Energéticas Nacionais, no passado fim-de-semana, dias 4 e 5 de agosto, o consumo de eletricidade registou em Portugal novos máximos históricos, superando o recorde anterior, que datava de 2013.

"Naquele que foi considerado, até à data, o fim-de-semana mais quente do ano, o consumo alcançou no sábado os 139,5 GWh, superando o máximo anterior de 135,4 GWh a 6 de julho de 2013, e uma ponta de 6608 MW às 12h15 (contra os 6372 MW registados às 21h30 de 6 de julho de 2013). No domingo, o consumo registou 131,0 GWh e uma ponta máxima de 6449 MW, às 21h00, ultrapassando os máximos anteriores para domingo, verificados em 7 de julho de 2013 (127,0 GWh / 6238 MW)", referiu a REN, em comunicado divulgado segunda-feira.

"Na sexta-feira, 3 de agosto, dia em que segundo o IPMA "foram excedidos os recordes da temperatura máxima para o mês de agosto, num terço do país, com a região Sul a destacar-se ao registar uma maior subida nas temperaturas máximas", registaram-se os consumos e pontas mais elevados deste verão, com 155,3 GWh e uma ponta máxima de 7591 MW. O facto da vaga de calor estar a decorrer em agosto, mês em que os consumos, por tradição, são mais baixos, não permitiu ainda superar os máximos históricos de 2010 (155,6 GWh registados a 30 de julho de 2010 e uma ponta máxima de 7912 MW, às 11h45, do dia 6 de julho de 2010)", prossegue a empresa, no mesmo documento.

Mediante este cenário e com estudos científicos a apontarem que estas vagas de calor serão cada vez mais frequentes (mesmo que se cumpram as metas do Acordo de Paris sobre o clima para manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 2ºC em relação à era pré-industrial), o uso de ar condicionado aumentará em todo o mundo, de 1,6 mil milhões de unidades hoje em dia, para 5,6 mil milhões de unidades em 2050, estimou em maio deste ano um relatório da Agência Internacional de Energia.

Este constata que o uso de ares condicionados e ventoinhas elétricas para refrescar ambientes já são responsáveis pelo consumo de um quinto da eletricidade usada em edifícios de todo o mundo hoje em dia. Em 2050, diz o relatório, os ares condicionados serão a segunda fonte de maior consumo de energia elétrica, a nível global, a seguir ao setor da indústria.

É, por isso, preciso apostar na eficiência, equipamentos eficientes, amigos do planeta. E da existência de vida no mesmo. "Estabelecer padrões de eficiência nos sistemas de arrefecimento é um dos maiores passos que os governos podem dar para reduzir a necessidade de novas centrais de energia e, ao mesmo tempo, cortar nas emissões [de CO2] e reduzir custos", afirma Fatih Birol, diretor executivo daquela agência.

Assim, um aumento das temperaturas leva ao aumento das unidades de ar condicionado adquiridas, que levam a um aumento do consumo de energia que, por sua vez, conduz a um aumento das emissões que podem influenciar a evolução das alterações climáticas. E será cada vez mais assim. Se nada for feito. Haverá sempre um preço a pagar. Mas por quem, como e quando? Por nós - no imediato - ou pelo planeta - a longo prazo?

"Nós, na verdade, não temos realmente escolha, tendo em conta o modo de vida atual. O nosso estilo de vida começa logo na forma como são concebidas as nossas cidades, a forma como são escolhidos os materiais, muitas vezes mais em função dos gostos, efémeros, dos nossos arquitetos, do que de considerações ecológicas, com isolamentos completamente nulos a nível térmico, a nível de insonorização. É preciso ter também em conta os ritmos de vida que cada um de nós tem. Trabalhamos todo o dia, com horários em aberto, às vezes quando fazem mais de 40ºC. Portanto, viver sem ar condicionado poderá significar morrer já e viver com ar condicionado poderá significar morrer mais tarde", afirmou esta terça-feira à noite num debate numa rádio francesa o empresário e escritor Julien Leclercq.

Num país em que, em 2017, segundo o site da France Info foram vendidas 500 mil unidades de ares condicionados, Leclercq, de 34 anos, publicou em março o livro Rendez-vous avec la France qui bouge: 100 initiatives que changent tout (Encontro com a França que se muda: 100 iniciativas que mudam tudo), para dar uma visão do que se pode fazer, de forma mais otimista, menos ao estilo "profetas da desgraça".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt