Universitários renovam sala que Amélia queria mudar há 40 anos
Amélia Ribeiro dos Santos nunca conheceu outra casa. Nasceu e vive até hoje no apartamento que está há quatro gerações na família no Largo dos Trigueiros, na Mouraria.
Trabalhou desde cedo, chegando a acumular três empregos, entre hotéis e jornais. Criou três filhos sem grandes ajudas, tendo-se divorciado ainda cedo. "Saía de casa de noite e entrava de noite. Andava de um lado para o outro", contou ao DN. Daí, nunca ter tido tempo nem condições financeiras para reabilitar a habitação onde vive, que pertenceu outrora aos seus pais, e onde já eram visíveis os danos que marcaram o passar dos anos.
Sem condições para fazer obras, a boa notícia chegou a Amélia através de uma associação que a acompanha frequentemente: duas divisões da casa iriam ser alvo de obras.
Para passar o tempo, esta octogenária (84 anos) adaptou-se às novas tecnologias. É presença assídua no Facebook, Skype e WhatsApp. "A minha filha deu-me um primeiro computador, mas só me ensinou o básico", afirma, frisando que teve de ir aprendendo todas as funcionalidades sozinha. Atualmente, já utiliza as redes sociais com autonomia, estando constantemente online. É, também, uma forma de combater a solidão, pois utiliza o computador para comunicar frequentemente com a família.
Outrora, andava pelas ruas íngremes da Mouraria com saltos altos e sempre arranjada. Hoje, já com pouca mobilidade, passa os dias em casa. "Não saio à rua desde o Natal", admite a octogenária. Por isso, o lugar da habitação onde passa a maior parte do seu tempo é a sala, onde tem uma janela virada para o Largo dos Trigueiros. Mas esta divisão não era remodelada há 40 anos, desde que um colega lhe preparou uma surpresa e forrou a papel toda a sala. Há uns tempos, confessou a Leonor, assistente que a ajuda em algumas tarefas, que "gostava tanto de forrar novamente a sala". O que aconteceu agora.
Mas a sala não era a única divisão da casa de Amélia onde os danos do tempo eram visíveis. A cozinha agrega a casa de banho no mesmo espaço, sendo que os fios elétricos estavam à vista, em contacto com humidade e água da divisão. As falhas elétricas eram enormes e o perigo de possíveis curto-circuitos elevado. Por isso, a casa de Amélia já estava sinalizada junto das entidades competentes e até chegar à Just a Change foi um passo.
Just a Change faz obras
É neste momento que surge a associação sem fins lucrativos que em português significa "Apenas Uma Mudança" e que apoia projetos de empreendedorismo social, promovendo a recuperação de habitações degradadas de pessoas com poucos recursos. Funcionando com base no voluntariado - 99% dos elementos são estudantes universitário - a Just a Change trabalha diretamente com entidades de assistência social que notificam os casos mais alarmantes.
Foi dessa forma que chegaram até à sala e cozinha de Amélia. Através da sinalização de uma associação que acompanha de perto a idosa, a Just a Change decidiu tomar o projeto de recuperação das duas divisões em mãos. Mas, pela primeira vez em sete anos, a associação está a fazer uma obra exclusiva com uma empresa: a EDP. Apesar de já ser a terceira parceria entre as duas companhias, este projeto aparece na sequência das comemorações do Dia Nacional da Energia, que hoje se assinala.
Com uma equipa de voluntários das duas instituições no terreno - no caso da elétrica cerca de 20% dos funcionários da empresa são voluntários nestes projetos -, a obra na casa no Largo dos Trigueiros começou na semana passada. Com os voluntários a trabalhar em cinco turnos, as principais remodelações de que a sala da idosa está a ser alvo passam pela remoção do revestimento das paredes, a raspagem do teto e abertura de fissuras e a aplicação de massa de estuque nas paredes e no teto. Os trabalhos são finalizados com a pintura do teto e a colocação de papel de parede, tal como Amélia pretendia. Porém, as falhas sérias no sistema elétrico da cozinha e casa de banho alertaram a companhia de energia, que, assim, desafiou os seus técnicos eletricistas a requalificarem essa área. A reparação elétrica precisa de quatro dias para responder a todas as carências.
Rita Monteiro, coordenadora do programa de voluntariado da empresa, entende que a casa na Mouraria precisava desta requalificação: "Esta casa tem imensas carências, sobretudo no que toca à segurança da própria Amélia."