Noemie Freire viu-se grega quando teve de fechar, pela primeira vez, a escotilha da torre do submarino Arpão. Como "sou pequenina, não tenho muita força de braços e aquilo pesa muitos quilos", foram precisos uns longos 20 minutos para "apanhar o jeito e conseguir" fazê-lo com a preciosa e estimulante ajuda de outros militares: "Agarra nesse sítio. Puxa dali....".Nascida nos arredores de Paris, em 1988, Noemie Freire acaba de tornar-se a primeira mulher a concluir o curso de submarinista e a integrar uma guarnição de submersíveis portugueses, ao fim de 105 anos de existência desses navios na frota da Marinha..O submarino Tridente vai ser o seu local de trabalho no mar durante pelo menos os próximos três anos, embora a parte de navegação da especialidade tenha sido realizada a bordo do gémeo, Arpão..Prestes a fazer 31 anos, Noemie Freire veio com os pais para Portugal em 1997. Em 2007 ingressou na Marinha, após terminar os estudos secundários em Pombal..A escolha não foi difícil, para quem sempre sentira curiosidade pela vida militar - que preferiu aos cursos universitários que poderia seguir, no final do 12.º ano de escolaridade (área de ciências). Informada sobre cada um dos três ramos, "os que mais [lhe] despertaram o interesse" foram "a Marinha e a Força Aérea". Aqui, por exclusão de alturas, restou o ramo naval das Forças Armadas..Medindo 1,58 metros, "não tinha altura para a Força Aérea. Julgo que me faltava um centímetro." Mas como tinha dois a mais do que o mínimo exigido pela Marinha, passou cinco semanas a fazer a recruta na Escola de Fuzileiros (Vale de Zebro, Coina). Seguiram-se nove meses a frequentar o curso básico de praças na área das operações, onde ficou em quarto entre dez alunos..Como auxiliar de navegação, a fragata Corte Real foi o primeiro navio onde começou a prestar serviço. Seguiu-se uma das fragatas adquiridas à Holanda, a Bartolomeu Dias . Mas as funções e o local de trabalho mudaram: enquanto na primeira ia para o interior do navio, sentar-se a uma consola com radar no centro de operações, na segunda ficava na ponte - sentada na cadeira do marinheiro de leme ou a fazer de vigia..Agora a coisa muda de figura... e para os próximos largos anos, admite a marinheira, que não gosta de futebol e só torce pela seleção. "São plataformas muito diferentes" onde "não se vê a luz do dia, não sabemos se é de dia ou de noite, se está sol ou a chover", conta, sem qualquer lamento na voz..Acresce que nas fragatas havia uma área nos alojamentos que era só de mulheres e onde "havia espaço para estarem descontraídas" - enquanto nos submarinos "é um espaço comum, no corredor a vante", acrescenta Noemie Freire..O que remete para o que sentiu como mais difícil: "Estar sozinha como mulher, embora me tenham tratado sempre bem e nunca faltaram ao respeito.".A primeiro-marinheiro descreve depois a área do alojamento das praças, onde há 13 camas em grupos de dois ou três beliches. Sem espaço próprio para mulheres, a entrada no quarto e na casa de banho passa a exigir uma senha prévia: "Está alguém?".Quanto ao vestir e despir, "não é prático" mas improvisa-se alguma privacidade: "Deito-me vestida e tiro a roupa no beliche, depois de correr a cortina." E ao levantar? "Tenho roupão", responde Noemi, com naturalidade..A sua opção pela vida dura de submarinista, onde também se está incontactável dias a fio e é exigido falar baixo ou não bater com as portas, mereceu o apoio da família, a começar pelo companheiro - ele próprio marinheiro - e pelo filho de 4 anos, cuja "única preocupação é saber se consigo ver tubarões", comenta Noemie. Porquê? "Ele adora tubarões.".Em rigor, acrescenta a submarinista, parte da família - a mãe e a avó - revelou genuína preocupação: "Medo que o submarino afundasse." Quanto às outras mulheres com quem partilha a vida militar desde 2007 e "não concorriam porque era desconhecido", agora "posso dar o meu testemunho" de que a vida a bordo de um submarino "não é nenhum bicho-de-sete-cabeças".."Não vemos a luz do dia mas é um navio como os outros, embora mais complexo. Somos uma família, passamos muito tempo juntos, não há que ter medo", assegura a extrovertida Noemie Freire, que "continua a ser" igual ao que era antes de iniciar o curso e após cumprir um mês seguido de missão em Inglaterra.."Não senti qualquer tratamento especial" por ser mulher - ou de Pombal, a terra do almirante Silva Ribeiro, chefe da Marinha quanto foi admitida ao curso e atual chefe do Estado-Maior-General das Força Armadas..A única diferença, em relação aos restantes seis alunos do curso de submarinistas, foi ao nível dos estímulos que lhe eram dados pelos instrutores - "Força Freire!, És capaz!".E quanto à escotilha da torre, que vai ser uma das suas responsabilidades? "Agora já consigo fechar à primeira", assegura ao DN.