Uma tragédia grega em chão de lava

Passou pelo Festival de Cinema de Montreal e saiu vencedor do Figueira Film Art. Cinzento e Negro, novo filme de Luís Filipe Rocha, rodado no Açores, em antestreia no Faial.
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Dos Açores, Natália Correia disse ser o lugar onde se realiza "a plenitude do ser contra o precário do estar". Neste arrebatamento que o cenário natural provoca no espírito, onde os campos de lava se denominam "mistérios", Luís Filipe Rocha assentou a narrativa da sua décima longa-metragem, Cinzento e Negro, também ela toldada de algum enigma. O DN acompanhou a estreia no Faial, onde decorre parte da ação do filme, e conversou com o realizador, de regresso às ilhas atlânticas onde já filmara, em 1996, Adeus, Pai.

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Depois de uma noite de sala cheia no Teatro Faialense, e nessa acalmia que deixa no ar uma satisfação momentânea, Luís Filipe Rocha fala de como é bom tornar aos lugares onde já fomos felizes: "Durante muitos anos sonhei voltar a filmar nos Açores, como continuo a sonhar filmar no Alentejo, onde não voltei depois do Cerromaior, e quando comecei a escrever esta história foi para mim muito evidente que teria de considerar esse regresso. Quando fiz o Adeus, Pai nos Açores não tinha ainda conhecido o Pico, era apenas uma vista a partir do Faial. Mas desde o princípio imaginei que a história deste filme tinha que ver com a situação insular, em particular com o Pico, como Raul Brandão o descreve." Uma imagem a negro e cinzento que provoca medo - assim nos apresenta o escritor o seu êxtase diante da montanha vulcânica, no livro As Ilhas Desconhecidas. O mesmo temor e fascínio conduz uma personagem fugitiva, no filme de Luís Filipe Rocha, atraída para a ilha como uma fatalidade.

Cinzento e Negro liga quatro personagens através do sangue, do amor e do dinheiro. Em traços gerais, o realizador afirma: "Parti de uma tragédia grega, passei pelo McGuffin mais estafado da história do cinema - que é um saco de dinheiro - e terminei numa espécie de cerimonial de western. Aliás, Jorge Luís Borges dizia que o western foi aquilo que no século XX tomou o lugar da epopeia desaparecida." Aqui não há heróis, mas há figuras peculiares. David (Miguel Borges) foge do Alentejo com uma mala de dinheiro em direção ao Pico, onde compra uma casa e algumas vacas. Atrás dele segue a companheira (Joana Bárcia) com um polícia (Filipe Duarte), abertamente interessado no conteúdo da mala. De passagem pelo Faial, David conhece Marina (Mónica Calle), que trabalha no mais famoso bar da ilha, o Peter Café Sport, e entre copos e olhares nasce uma atração.

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