Uma plataforma para começar a mudar o mundo
Mudar o mundo é complicado? Então talvez devêssemos começar por mudar aquilo que está ao nosso alcance. Mudar o mundo pode ser encenar uma ópera numa cadeia. Ensinar uma criança de uma favela a tocar um instrumento musical. Dar emprego a alguém que perdeu tudo e teve que mudar de continente para sobreviver. Aprender a reciclar o muito lixo que produzimos. Colocar o sorriso no rosto de um idoso. Este é o ponto de partida do projeto "Eu sou outro", concebido por Maria Augusta Babo, que acabou de ganhar o concurso "Vamos mudar o mundo" promovido pelo Centro Nacional de Cultura (CNC).
"A ideia era, para além de encontrar um premiado, auscultar um pouco a sociedade civil e saber quais são as suas preocupações e as suas ideias", explica Maria Calado, presidente do CNC. "Recebemos muitas participações, fizemos uma primeira seleção e ficamos com 180 ideias. Tivemos uma participação vasta, desde crianças, individuais ou em grupo, pessoas de várias idades e profissões. Havia preocupações a uma escala mais local e mais global. Preocupações sociais grandes, com o ambiente, a água, a floresta, com as crianças, com os idosos, com os refugiados, preocupações em participar e dar voz à sociedade civil, essa é a grande tónica e acabou por ser nessa área que recaiu a escolha."
Quando viu o anúncio ao concurso "Vamos Mudar o Mundo", Maria Augusta Babo sentiu que poderia contribuir com algo. "Achei-o uma ideia ao mesmo tempo arrebatadora, desafiadora, e de uma pureza e de uma ingenuidade enormes, porque nós temos consciência que não é possível mudar o mundo", diz a professora no departamento de Ciências da Comunicação, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que se tem dedicado às áreas da semiótica. "Mas há um imperativo pessoal, apesar de tudo."
"A minha profissão faz-me ir para campos demasiado teóricos. E eu cada vez tenho vindo a refletir mais sobre a possibilidade de tocar as coisas. Como é que a nossa reflexão pode nos dar pistas para agir? É essa urgência do agir que se me coloca hoje como um imperativo." E explica: "Quando nós sabemos que há campos de refugiados, quando a Europa está a ser o palco e não dá resposta a este fluxo migratório, quando nós temos a sensação de que o mundo está a explodir, não percebemos como é que podemos não agir. E isto para mim é duplamente perverso porque eu também não estou a agir. Nós estamos todos como espectadores atónitos perante o que se passa no mundo."
Foi contra essa apatia que concebeu o projeto "O outro sou eu" que é "uma plataforma virtual de difusão, adaptação e replicação de micro experiências em comunidade, as mais variadas e criativas, suscetíveis de serem difundidas através de uma plataforma digital e implementadas noutros lugares".
Maria Augusta Babo acredita que cada vez mais são as pequenas ideias, as pequenas trocas, os atos dos cidadãos que, todos os juntos, podem fazer a diferença. "O que é mudar mundo? É fazer. Na comunidade? Ótimo. Na sociedade? Melhor ainda. Seja de que forma for, a intervenção mais micro que possa existir ou a intervenção institucional ou mais macro, as nações unidas, os estados, etc., mas é preciso convocar todos."
Esta plataforma - que terá uma forma ainda por definir - será, acima de tudo, um espaço que assenta nessa capacidade "de dar voz àqueles que não têm voz". E será, depois, um espaço de partilha, de contacto, de rede. "Este primeiro nível, que eu diria que é quase o nível zero da política, é trazer à voz aqueles que não podem, não sabem, não o conseguem fazer. E há muita gente a fazer isso", diz a professora. "Há muitas pequenas ações em comunidade que são levadas a cabo por pessoas, civis, consumidores, seja o que for. Esta plataforma pode abranger a questão da paz, a questão ecológica, a ecologia linguística, a terceira idade, o insucesso escolar..."
Uma plataforma digital (ainda que não seja uma rede social aberta) permite permite "tornar o global próximo e fazer novas vizinhanças, e isso é muito interessante", explica Maria Augusta Babo. Claro que a concretização será muito difícil, admite. "Se as vozes são silenciosas têm que se ir buscar, tem de haver gente no terreno, fazer levantamentos, procurar. Mas a ideia é dar voz e fazer pequenos diálogos, trocas, experiências que podem ser adaptadas a outros contextos. Não faltam exemplos e esses exemplos é que nos dão esperança de mudar o mundo, não é a plataforma que vai mudar o mundo, são todos esses exemplos."
Para já a plataforma ainda é só uma ideia. Que será apresentada este ano ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em Nova Iorque. E que será publicada na edição de dezembro da revista Egoísta, parceira do concurso. Mas Maria Calado garante que o CNC vai fazer tudo para que a ideia se concretize. Esse foi, aliás, um dos critérios do júri: "Teria de ser uma ideia concretizável. Só assim é que faria sentido." Há, pois, muito trabalho a fazer, para angariar parceiros e financiamento e para pôr de pé a plataforma. Mas a presidente está confiante: "Isto é só o princípio."