Uma pena de morte americana questionada por novas provas

Na tradição do cinema liberal norte-americano, "Prova de Fogo" recorda o caso de Cameron Todd Willingham, cidadão do estado do Texas que, na sequência da morte das suas filhas, foi condenado à pena de morte - é uma estreia direta na televisão por cabo.
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É bem verdade que a situação de confinamento que estamos a viver nos retira o prazer de assistir aos filmes no seu espaço primordial: a sala escura. Mas não é menos verdade que, em semanas recentes, diretamente nas plataformas online ou no cabo, têm surgido vários títulos que merecem ser descobertos. Prova de Fogo, uma produção de 2018 (título original: Trial By Fire), um fortíssimo libelo contra a pena de morte, é um desses filmes (disponível no canal TVCine Top).

Vale a pena recordar que o realizador de Prova de Fogo, Edward Zwick, tem no seu currículo alguns outros títulos que decorrem da mesma preocupação de intervenção social e política. É o caso de Tempo de Glória (1989), sobre um batalhão de soldados afro-americanos durante a Guerra Civil americana (foi o filme com que Denzel Washington obteve o seu primeiro Óscar, como ator secundário), e Diamante de Sangue (2006), com Leonardo DiCaprio, sobre o contrabando de diamantes durante a Guerra Civil na Serra Leoa.

Em Prova de Fogo, Zwick volta a interessar-se pela abordagem de factos verídicos. Esta é a história de Cameron Todd Willingham, cujas três filhas morreram num fogo que consumiu a casa onde viviam, no estado do Texas. Estando em casa com as crianças, Cameron não conseguiu salvá-las das chamas, acabando por ser julgado e condenado à morte.

A investigação do caso foi, no mínimo, ligeira e precipitada, suscitando o interesse de Elizabeth Gilbert, escritora e militante anti-pena de morte. Em termos esquemáticos (e evitando desvendar as peripécias desta história dramática), o filme organiza-se a partir da investigação que ela decide desenvolver, questionando os mecanismos de dedução e acusação das autoridades.

Há no filme de Zwick uma dimensão típica de policial, uma vez que os dados que vão sendo revelados alteram de modo significativo a primeira versão dos acontecimentos. Seja como for, a vibração emocional do filme fica a dever-se aos laços que se estabelecem entre Cameron e Elizabeth, e tanto mais quanto as respetivas interpretações, por Jack O"Connell e Laura Dern, são modelares.

Infelizmente, este é um daqueles filmes automaticamente secundarizado pelos mercados (a começar pelos EUA, entenda-se, onde o filme teve escassa promoção e cobertura mediática). Nele encontramos as marcas de uma tradição liberal que, como se prova, tem dificuldade em existir face à dominação comercial de super-heróis e seus derivados.

A sua difusão noutra escala teria sido tanto mais interessante quanto o caso de Willingham suscitou mesmo duras críticas ao então governador do Texas, Rick Perry, defensor da pena de morte (citado no genérico final). Para lá da história contada pelo filme, podemos também recordar que Perry foi escolhido por Donald Trump como Secretário da Energia, cargo que exerceu entre 2 de março de 2017 e 1 de dezembro de 2019.

* * * Bom

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