Uma mulher, três homens e um palácio no Planalto
O ano político no Brasil vai começar com uma presidente, Dilma Rousseff (PT), sob processo de 'impeachment'. Mas o vice-presidente Michel Temer (PMDB), que herdaria a presidência de Dilma, pode cair com ela, se ficar provado nos tribunais que ambos beneficiaram de dinheiro do escândalo do petrolão na eleição de 2014. Nesse caso, assumiria interinamente o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PDMB), alvo, também ele, de pedido de destituição do cargo. Depois, a justiça brasileira atribuiria a gestão do país ao derrotado no ano passado Aécio Neves (PSDB). No meio de tantos candidatos ao governo em 2016, o mais provável é que o país entre em desgoverno. E com isso a economia se dilacere de vez.
"São hipóteses, por agora não passam de hipóteses, mas mesmo que a presidente sobreviva ao primeiro 'impeachment', a hipótese ainda mais provável, sobreviverá por pouco, logo, a instabilidade será inevitável e a confusão continuará em qualquer cenário, além de que o processo deverá durar até abril e o da perda de mandato de Eduardo Cunha mais ainda", diz ao DN o diretor da 'Folha de S. Paulo' em Brasília, Igor Gielow.
Para Marcelo Coelho, membro do conselho editorial do mesmo jornal, o cenário da eventualidade de tanto Dilma, como Temer, Cunha ou Aécio presidirem em 2016 é "uma insanidade mas há jurisprudência no país capaz de a suportar". "Por outro lado, mesmo que o 'impeachment' não passe na Câmara, será por uma vitória apertada, pelo que Dilma continuará sem condições de governar porque ela teria de recorrer a uma empreitada de reconciliação da qual não foi capaz até agora", diz ao DN.
Caso o 'impeachment' prospere por causa das manobras orçamentais, o que está por agora em discussão no Congresso Nacional, Temer assumiria o poder. Mas fragilizado, por ter o país, o Congresso e até o próprio partido divididos: "O PDMB vive guerra fratricida", assinala Gielow, sobre a metade pró-Dilma e a metade anti-Dilma do partido.
Plano do PSDB
A oposição, sabendo que o 'impeachment' motivado pelas tais manobras orçamentais pode ser barrado no Congresso, tem um plano alternativo. Espera que o Tribunal Superior Eleitoral considere que as contas de campanha da coligação vencedora em 2014, encabeçada por Dilma e Temer, foram irrigadas por dinheiro do Petrolão. Aí, o vice cairia ao lado da presidente. O acossado Cunha, como terceira figura do Estado, assumiria interinamente e, depois, o segundo classificado, Aécio Neves, seria nomeado presidente. Já a esfregar as mãos com esse cenário, o líder do PSDB disse há dias que "Temer não pode descolar-se da prestação de contas eleitoral..."
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Mas, nesse caso, "a tese do golpe de Estado a que o PT já vai dando voz ganharia força", admite Coelho. E o país, mesmo com Aécio, continuaria certamente dividido, tanto no Congresso como nas ruas.
Roleta-russa
No labirinto político com quatro saídas - que no fim das contas não é mais do que um beco sem nenhuma - a economia fica em segundo lugar. E se em 2014 e 2015 se adiaram medidas por causa do Mundial de Futebol, das eleições e do bloqueio à presidente no Congresso, 2016, com 'impeachment', Jogos Olímpicos e eleições municipais, pode ser um ano parado.
O professor de Economia da Universidade de São Paulo Alex Luiz Ferreira enumerou ao DN os problemas económicos decorrentes da crise política. "O ano começará com muita turbulência mas a deterioração das expectativas escalou já a partir do final de agosto de 2015, após o governo entregar um projeto de orçamento deficitário e depois do Banco Central comunicar ao mercado que o ciclo de aumento nos juros terminara, a partir daí, a expectativa de inflação para 2016 passou de 5,5% para 6,8% e o crescimento do PIB de -0,5% para -2,67%, o rebaixamento da nota do Brasil, a saída do ministro Levy e o aumento dos juros norte-americanos completam o cenário hostil".
O sociólogo Celso Rocha de Barros escreveu que "se for possível prever 2016, extrapolando as tendências de 2015, o novo governo terá como traço principal ser mais liberal", tendo em conta a necessidade de arrumar as contas públicas. Já Gielow adverte para o contrário, na medida em que Joaquim Levy, o ministro das Finanças com o perfil indicado para esse ajustamento, se demitiu, sendo substituído pelo menos austero Nelson Barbosa. "Caso Dilma não caia, há o perigo de uma inflexão à esquerda, ao estilo kirchnerista, que afunde de vez a economia".
Para o ministro das Finanças de 1967 a 1974, Antonio Delfim Netto, "o nome do ministro é irrelevante". "O que importa é o poder executivo apresentar ao Congresso as reformas constitucionais necessárias, defendê-las nem que seja com o apoio das ruas e fazer a política funcionar... mas para já a política brasileira não passa de uma roleta-russa".
A outra bala
A essa roleta-russa política e económica acrescente-se uma outra bala no tambor do revólver: a da Operação Lava-Jato (ver texto ao lado). A par dos sumptuosos corredores de Brasília e da faustosa sede da bolsa de valores de São Paulo, é no acanhado gabinete do juiz Sérgio Moro em Curitiba, onde poderosos assinam acordos de delação premiada que causam calafrios nos poderosos ainda à solta, que a história de 2016 será escrita.
Em São Paulo