Uma manta transformada num livro de histórias

Uma peça original com recurso à tecnologia e à memória dos afetos, para crianças e adultos alimentarem a alma. No Maria Matos
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Há peças para crianças e peças para adultos. E há peças para todos os que decidam regressar ao afago da memória e à arte do afeto. Carla Galvão, a atriz de Manta, diz que esta é uma peça que serve de alimento à alma. Às almas pequeninas que estão em crescimento mas também às almas adultas que, na voraz correria dos dias, tantas vezes se esquecem de se nutrir.

Alimentar a alma e ajudar a crescer é também o propósito do espetáculo infantil que o Teatro Maria Matos propõe para 2017, "uma programação mais interventiva para a infância", assegura Rita Tomás do departamento de comunicação. Em Manta, o ator Romeu Costa, aqui pela primeira vez encenador de uma obra infantil, serve o objetivo pretendido, num espetáculo de 40 minutos, onde as famílias de miúdos e graúdos perseguem juntos todos os sonhos felizes.

A viagem flui entre o artifício da simplicidade e da originalidade, a partir do texto de Isabel Minhós Martins, autora do livro homónimo com a chancela Planeta Tangerina. As páginas do livro vão ao encontro de uma manta que se transforma num livro aberto, repleta de histórias, desenhos animados e pessoas de carne e osso. A anfitriã Carla Galvão convida todos a deitar-se no chão e a olhar para cima. A manta desenrola-se, suspensa nas almas e nos corações de quem passados uns minutos encontra o melhor lugar do mundo para adormecer.

Álbum de família em patchwork

A cama da avó é mesmo muito grande, cabem vários netos, dois gatos gordos e um cão. À noite, os livros ficam na estante enquanto a avó lhes aquece os pés. A avó guarda no regaço da ternura todos os segredos por contar e basta olhar a manta para despertar enredos e personagens nos quadradinhos de tecido. A neta vai perguntando a história de cada um.

E são tantas as histórias e as memórias. Tecidos "vivos" protagonistas de momentos inesquecíveis como aquele da mala da praia de tecido às riscas que ficou cheia de ameixa no verão. Ou aquele da camisola do tio Luís quando caiu de bicicleta porque estava a andar de olhos fechados. Xadrez, floral, riscas, quadrados, cornucópias - todos os padrões guardam a sua identidade num momento, experiência ou sentimento.

A avó conhece-lhes o ADN. À neta, diz sempre o mesmo: "Ah esse retalho não tem nada para contar, mas se queres mesmo saber..." "Sim, quero muito avó"... e lá vem o bocadinho da saia da tia Bárbara - ela nunca a largava - ou o rasgão da velha toalha de mesa testemunha de notícias fortes. "Foi quando contei ao teu avô que estava grávida de gémeas. O ensopado caiu-lhe das mãos!" Ou o bocadinho de tecido dos elefantes comprado na Baixa que serviu para forrar sofás e candeeiros e que nunca deu vontade de sentar, só de viajar. Ou aquele pano tão especial do avental guardião da carta de Luís.

Com recurso ao videomapping, as histórias constroem-se uma por uma, enquanto pensamos na memória que guardam os tecidos especiais.

Romeu Costa, habitualmente à frente das câmaras, descobriu o livro de Isabel Minhós Martins e percebeu logo a riqueza da história. As crianças com quem falou já o conheciam da escola. "Estou a trabalhar este espetáculo já há ano e meio, e o que queria mesmo como ponto de partida era colocar as pessoas num sítio diferente, fora do habitual na plateia. A minha preocupação também era que toda a gente se relacionasse com a peça, não só os miúdos mas também os pais, que tocasse todas as idades. Esta manta é um organismo vivo que se reconstrói e recria sempre", explica.

Sempre houve mantas feitas de tecidos velhos na família de Isabel Minhós Martins. "É verdade que na minha família há o hábito de fazer mantas, juntar tecidos velhos, e uma vez, a olhar para uma manta na casa da minha tia, surgiu a ideia para o livro, de tornar estes objetos como um álbum de fotografias que vão sendo substituídos uns pelos outros", conta a autora.

E a tua camisola, que história conta?

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