Uma greve feminista contra a justiça machista, a violência e... a política
Os cartazes eram muitos e as palavras de ordem também. Pela igualdade de direitos, contra a violência doméstica, contra as decisões do juiz Neto de Moura e também "nem uma menos, vivas nos queremos" e "Justiça machista, resistência feminista" - uma das mais repetidas na tarde desta sexta-feira, dia 8 de março, no Terreiro do Paço, um dos 13 locais onde a Rede 8 de Março organizou a Greve Feminista Internacional, uma iniciativa que acontece em mais 44 países.
Mónica Rocha, 32 anos, foi direta do trabalho, no Continente, para a manifestação. "É por elas, as minhas colegas, que venho", disse. "Estão naquela situação de estarem sozinhas com os filhos e precisam do apoio dos pais ou sogras para ficar com crianças. Venho principalmente por elas. Estou com elas todos os dias, ouço os testemunhos". Dá um exemplo: "As minhas colegas que saíram ao mesmo tempo que eu não puderam vir, porque tinham de ir buscar os filhos à escola. Ao lado da irmã, Rosária, que trouxe a coroa de super mulher, explica que "todos os dias, encontramos razões para vir para a manifestação". "Não podia ir para casa sentar-me no sofá, tinha de vir fazer barulho". A irmã acrescenta: "Queremos os direitos que os homens já têm há muito tempo". Girls just wanna have fun...damental rights, já dizia o cartaz de uma das manifestantes.
De Vigo, Lérida, Saragoça e Sevilha, seis espanholas em Erasmus em Lisboa encontraram-se no Terreiro do Paço para repetir um gesto inédito - e que correu mundo: a greve feminista espanhola. Faziam-se ao mesmo tempo que a multidão de mulheres de roxo se manifestava nas ruas de Madrid, Barcelona, todas as cidades grandes de Espanha (e até mais pequenas). "É urgente e muito necessário", disse Sara Nuñez. Para elas e as colegas, o machismo está também nas pequenas coisas. "Somos mais mulheres, mas os homens são quem mais fala e há mais professores homens". Educação é o que defende Paula Villalonga. "Não se porem as meninas a jogar contra os meninos", acrescenta Marisol Jorge.
A praça ficou meia, mas viu-se apoio político. De Marisa Matias e Catarina Martins, do BE, ao primeiro-ministro, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, que tutela as questões relacionadas com violência doméstica, e a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem. Pedro Marques, cabeça de lista do PS às eleições europeias, também.
A presença de António Costa não foi consensual. As fundadoras da Rede 8 de Março aproveitaram as suas declarações à imprensa e televisões para usar apitos e gritas palavras de ordem pelo megafone. No final, Rebeca Moore explicou a razão do seu descontentamento.
"Aqui vou falar em nome individual, sou do MAS - Movimento Alternativa Socialista nós recebemos há pouco tempo a informação de que o primeiro-ministro iria juntar-se à nossa manifestação, primeiro a título individual, depois que viria mesmo como primeiro-ministro", começou por explicar. "Nós construímos esta luta o ano todo, fazemos um esforço gigante para termos estas coisas, e é um aproveitamento político, em ano de eleições, o primeiro-ministro vir saudar esta manifestação. Se ele vir o nosso manifesto tem um monte de coisas que o põem em contradição", acrescentou. "Continuamos a ver mulheres assassinadas e mulheres que ganham menos".
"Estamos cá porque queremos uma sociedade mais justa, com homens menos machistas e mulheres feministas, pela igualdade", disse Pilar del Rio ao DN, uma mais na greve feminista, de flores no rosto e lenço rosto ao pescoço. A controvérsia em torno das decisões de Neto de Moura na justiça é "terrível"."Mas também vi a reação das mulheres de alguns setores e isso dá esperança. Uma anedota pode acontecer, o que é importante é ter resposta. E teve." Vários foram os cartazes que lembraram o caso. Houve mesmo um buuuuuu coletivo para o desembargador do Tribunal da Relação do Porto.
A concentração começou cerca das 17.30, anunciada pelos balões roxos e brancos. Em cima de uma Bedford vermelha de 1983, uma das fundadoras da Rede 8 de Março dizia ao que vinha. "Somos milhões. A nossa luta é todos os dias. Somos mulheres e não mercadoria".
A Rede 8 de Março lançou-se em quatro frentes: a estudantil, a do trabalho, a dos cuidados e a do consumo, "contra a imagem estereotipadas das mulheres na publicidade", explica Rebecca Moore. Esta foi a terceira vez que a greve feminista internacional se realizou em Portugal, a primeira vez em rede. O mote correu mundo: "se as mulheres param, o mundo para".
Na assistência ouviu-se muito sotaque do Brasil e espanhol. Falou-se nas condições das mulheres argentinas, viram-se cartazes em defesa das mulheres brasileiras e lembrou-se Marielle Franco.
"Olhamos para a estatística e vemos que não há igualdade", disse um dos homens que esteve na manifestação, Cláudio, do Sindicato dos Trabalhadores do Sector da Energia, ao DN. "É importante trazer para o discurso público estas questões para resolver esta questão de uma vez por todas". No sindicato do sector do material eletrónico, as mulheres estão em maioria, mas são também as mais mal pagas e "as que têm as doenças profissionais. São as trabalhadoras que, por uma questão cultural, as categorias superiores são quase sempre homens, as mulheres estão na base. Temos de tomar algumas medidas, legislativas. Temos de ser um país do século XXI.
Cinco sindicatos aderiram à greve feminista, mas nenhuma das duas grandes centrais - UGT e CGTP - se associou.
E se a Rede 8 de Março estava otimista com o número de pessoas que se juntaram na maior praça portuguesa. As seis espanholas em Erasmus que vieram repetir o gesto de há um ano desapontaram-se com o pequeno número de pessoas. "Pensámos que estaria mais gente", confessam. Em Madrid, a imprensa fala em "marchas massivas" e as imagens mostram a praça Cibeles mais cheia do que em noite de vitória da Champions. Foram 350 mil pessoas em Madrid, 200 mil em Barcelona, segundo o El Pais.
Quanto à greve feminista portuguesa, foi perdendo gente à medida que começava a marcha. Terminou no Rossio.