Uma geringonça europeia. "Porque não?", diz Moscovici
O Comissário Europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, o socialista francês Pierre Moscovici, disse esta terça-feira na Conferências do Estoril, na Nova SBE, em Carcavelos, estar "aliviado" com os resultados das eleições europeias, os quais considera que fortaleceram a continuidade do projeto europeu.
"É verdade que os partidos populistas cresceram, mas menos do que esperado", constatou o comissário, notando que nestas nonas eleições para o Parlamento Europeu "as pessoas expressaram a sua ligação à Europa, mas sobretudo o desejo de ter uma Europa diferente e, por isso, alguns partidos perderam e outros, como os Verdes, ganharam".
Agora, sublinhou, compete aos líderes europeus construírem uma nova plataforma, um novo programa e um novo mandato para a nova Comissão Europeia. A atual, liderada pelo luxemburguês Jean-Claude Juncker, cessa funções no final de outubro.
Na sua intervenção, Moscovici constatou que o PPE venceu as eleições, sim, mas não tem uma maioria clara, face à subida de forças eurocéticas, populistas, nacionalistas e extremistas de direita nalguns dos 28 Estados membros da UE. "Não vejo uma maioria do Partido Popular Europeu. Há 751 eurodeputados, há 180 do PPE, por isso é perfeitamente legítimo que as outras famílias façam as coisas de uma forma diferente. Se bem me lembro, nas eleições portuguesas, o partido de António Costa não foi o partido mais votado. E já lidera o país há quatro anos", declarou o francês.
"Fez, não sei se conhecerá o termo, uma geringonça", retorquiu o moderador, o jornalista da SIC Bernardo Ferrão. "Estou familiarizado sim", respondeu Moscovici, sorrindo. "E agora está a tentar fazer uma geringonça na Europa também", prosseguiu o jornalista. "Porque não?", interrogou-se o comissário. "Diria que é legítimo pensar nisso. Vão começar a discutir isso esta tarde. A minha opinião pessoal é que a mudança não é ilegítima. Os Socialistas e Democratas, os Liberais e os Verdes podem ter uma ligação... Uma nova abordagem progressista e pró-europeia pode ser atrativa. Porque não? Porque não?", repetiu Moscovici.
O comissário referia-se ao Conselho Europeu desta tarde, em Bruxelas, em que os chefes do Estado e do governo vão começar a discutir a repartição de cargos na UE, entre os quais o de presidente da Comissão Europeia. E também à aproximação de António Costa a Emmanuel Macron e deste ao grupo dos liberais do ALDE, no sentido de formar uma aliança de centristas, liberais e progressistas na UE, por forma a travar a ascensão dos que são contra essa mesma UE. Leia-se Viktor Orbán, Matteo Salvini, Marine Le Pen, Nigel Farage, entre outros.
Aliás, Costa almoçou esta terça-feira em Bruxelas com o presidente francês e os primeiros-ministros de Espanha, o socialista Pedro Sánchez, da Bélgica, o liberal Charles Michel, e o da Holanda, o liberal Mark Rutte. Não é a primeira vez que este tipo de encontros à margem das cimeiras acontece. O último que veio a público foi antes das europeias, em Sibiu, na Roménia, onde no início do mês houve outro Conselho Europeu. Costa e Sánchez são neste momento os líderes socialistas mais bem posicionados na Europa, dado o descalabro dos grandes partidos socialistas noutros países da UE.
Durante a sua intervenção, o comissário europeu fez elogios ao primeiro-ministro português, mas também ao ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, os quais disse considerar "bons amigos", embora sublinhe a importância dos resultados: "Não olho para quem está no governo, mas sim para o que o governo está a fazer". Portugal tem-se destacado pelos progressos dos últimos anos, disse o socialista, que foi ministro das Finanças de França entre 2021 e 2014.
"Muitos ministros das Finanças querem evitar ficar nas listas negras. A União Europeia tem estado envolvida nas políticas fiscais, reforma do IVA e tributação correta da economia digital. O próximo passo é trabalharmos as despesas públicas", afirmou o comissário, defendendo um maior combate às desigualdades sociais, sem descurar as contas públicas.
"Há um fosso entre os mais ricos e os mais pobres e as desigualdades estão a aumentar. Nós queremos lutar contra isso e só conseguiremos políticas sociais mais justas aumentando a qualidade das despesas públicas, combatendo a evasão fiscal e aumentando a transparência na União Europeia", declarou Moscovici no painel subordinado ao tema "Justiça Fiscal e Direitos Humanos: Combater a Evasão Fiscal, defender os valores europeus".
A 10.ª edição das Conferências do Estoril decorre, até quarta-feira, na Nova SBE, em Carcavelos.