Quando a partir de abril o Museu do Aljube -Resistência e Liberdade, instalado na antiga prisão da PIDE, junto à Sé de Lisboa, procurou alguém para o lugar de direção, especificou o perfil desejado. As três primeiras condições excluem, à partida, Rita Rato: "formação superior adequada à função (preferencialmente na área de história política e cultural contemporânea)", "experiência em funções similares (preferencialmente na área dos museus)" e "em programação e produção de exposições". Ainda assim, a ex-deputada comunista, de 37 anos, formada em Ciência Política e Relações Internacionais, candidatou-se. E acabou por ser a escolhida por um júri que integrava o ex-diretor, Luís Farinha. "Foi uma candidatura muito improvável, mas a que apresentou o projeto mais consistente", explica ao DN um dos membros do júri..A escolhida apresentou, de acordo com a diretora da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC), Joana Gomes Cardoso, que integrava o júri, "ligações com temas contemporâneos: questões LGBT, de género, pós-coloniais. Achamos que é importante desenvolver novos públicos e ter na direção uma pessoa mais nova, com essa preocupação.".E se entre as várias dezenas de candidatos - cerca de 60 - havia muita gente, reconhece o membro do júri ouvido pelo DN, que acumulava as três condições citadas, estas eram, frisa, apenas "preferenciais, não de exclusão": "Apareceram muitas pessoas que não são licenciadas em História e também com currículos muito mais interessantes que a Rita Rato em termos académicos. Mas gerir um museu não é ser investigador em História.".Também não será imprescindível formação em museologia ou experiência na organização de exposições: Luís Farinha, que dirigiu o museu nos seus cinco anos de existência, e que com outro membro do júri, Manuel Oleiro, assessor para a área do património e museologia da Direção Geral do Património Cultura, fez a primeira triagem dos candidatos até restarem cerca de 10 (posto o que se passou a uma fase de entrevistas), era professor de liceu quando em 2015 foi nomeado para o cargo. Formado em História, é certo, e com investigação sobre o Estado Novo, mas sem experiência museológica. E há - é agora a diretora da EGEAC a falar - "diretores de museus que são licenciados em Arte e Cultura, e outros que nem são licenciados."."Nomeá-la é um insulto grave".Certo é que o anúncio da nomeação de Rita Rato levantou muitas sobrancelhas. Entre os historiadores, António Araújo, no seu blogue (Malomil) e Irene Pimentel, especialista em PIDE e Estado Novo, em vários posts no Facebook, exprimiram perplexidade e até indignação..O primeiro, autor do livro Morte à PIDE! (editado pela Tinta da China em 2019), acusou a ex-deputada de "uma tremenda lata", de "uma apreciável dose de ignorância histórica" e de "cadastro revisionista", citando uma entrevista de 2009 na qual, estreante parlamentar, a então funcionária do Partido Comunista respondera a uma pergunta sobre os campos de trabalho forçado na ex-União Soviética, os chamados gulags, assim: "Não sou capaz de lhe responder porque, em concreto, nunca estudei nem li nada sobre isso.".E Araújo, que integrou a Casa Civil de Cavaco Silva e é consultor para os assuntos políticos do atual Presidente da República, conclui: "Nomeá-la é um insulto grave, um insulto grave aos historiadores e investigadores portugueses, a gente competente e independente, aos cidadãos desta Lisboa, aos resistentes e às vítimas pela liberdade, a todas elas, sem excepção, aos que lutaram e sofreram no Tarrafal, em Auschwitz, no Gulag, na Coreia do Norte, em Hong-Kong, em muitos lugares.".Já Irene Pimentel questionou, no seu mural de Facebook: "O que é isto? Que escolha é esta? Alguém que não é nem historiadora, nem museóloga, mas apenas militante de um partido (...). Pergunto: não há concurso público para museus camarários, ou a escolha é por camaradagem?" Ao DN, esta historiadora confessa ter percebido, já depois de escrito o post, que a EGEAC, por ser uma empresa, não é obrigada a fazer concurso..Fonte da empresa municipal ouvida pelo DN garante de resto que o procedimento não foi um concurso, mas "um processo de recrutamento, muito mais simples e informal". Em causa, explica, está sobretudo atrair candidatos a que não se chegaria caso se optasse por uma mera nomeação - que foi o que sucedeu no caso do primeiro diretor, diretamente nomeado.."Mas porque é que se deram ao trabalho de fazer assim, por que é que não fizeram uma nomeação?", insiste Irene Pimentel. "Estou revoltadíssima com isto." E argumenta: "O que me preocupa mais é a hegemonia sobre a história e memória. Porque os historiadores têm uma determinada ética - claro que podem ter subjetivismos, tendências, etc - que um militante de um partido não tem. E sabemos como o PCP lida com a história.".Comissão de serviço é de dois anos.Também no Conselho Consultivo do Aljube, com mais de vinte membros, incluindo vários resistentes antifascistas - entre os quais o social-democrata José Pacheco Pereira e o comunista Domingos Abrantes -, e que cujas funções incluem aconselhar a direção sobre programação, houve quem reagisse "com absoluta surpresa". Caso da jornalista Diana Andringa: "Pelo pouco que sei de Rita Rato e pelas coisas que li e vi não corresponde ao perfil esperado. Dos poucos candidatos que conhecia havia pessoas cujo perfil correspondia melhor ao esperado.".Também a Associação Portuguesa de Museologia, por via do seu presidente, João Neto, citado pelo Expresso, manifesta estranheza, anunciando que vai pedir "uma consulta dos projetos", por não ver "nenhum discurso curricular e experiência profissional por parte de Rita Rato que encaixe nos requisitos"..Em resposta às críticas, a EGEAC exarou uma nota na qual afirma que o museu do Aljube "conta com uma equipa com sólida formação académica e científica que continuará a apoiar a nova direção", e que, "tal como a EGEAC, é uma instituição plural onde convivem as mais diversas correntes políticas.".De acordo com o que o DN conseguiu saber, dos cerca de 10 candidatos submetidos a entrevistas três passaram à fase final, com novas entrevistas. Dessas resultou a escolha da ex-deputada, que desde a sua saída do parlamento - nas legislativas de 2019 foi cabeça de lista pelo círculo da emigração, no qual a CDU nunca logrou eleger - estava a trabalhar numa editora..Rita Rato, que em 2001 entrou para a Juventude Comunista Portuguesa, passando em 2006 a funcionária do partido e membro da sua comissão política da direção nacional, é originária de Estremoz e foi, como contou ao DN numa entrevista em 2016, a primeira pessoa da sua família a frequentar o ensino superior. Notabilizou-se como parlamentar comunista, fazendo parte de uma leva de "novas caras". A sua "comissão de serviço" à frente do museu é suposta iniciar-se em agosto e durar dois anos. O DN tentou contactá-la, sem sucesso.