Um país debaixo de água
Mais de seis milhões de euros a mais por dia. É esta a dimensão do monstro do endividamento das famílias portuguesas desde que chegou a pandemia. Não é só crédito novo, boa parte deste valor global - que engorda as dívidas dos portugueses para um bolo que só há quatro anos teve dimensão semelhante - chega à boleia das moratórias, que adiam pagamentos para depois de setembro. Mas a questão é precisamente essa: quando o prazo das moratórias terminar, as prestações têm de voltar a ser pagas. As do momento, acrescidas do que ficou para trás - que em muitos casos engloba juros e capital emprestado. E cuja fatura vai chegar, em muitos casos, a famílias que perderam rendimentos ou ficaram mesmo sem o emprego.
Se a necessidade de voltar a cumprir essas obrigações há de aterrar em pleno num momento em que se espera que já tenha começado alguma recuperação, ninguém tem dúvidas de que será preciso pelo menos um par de anos para voltar aos níveis pré-crise.
Por cá como lá fora, os sinais de alarme já dispararam e empurram governo e Bruxelas para deslindar um caminho que leve a soluções intermédias para impedir o choque, que permitam evitar a bancarrota no final do ano. Das famílias e das instituições financeiras. Porque se não formos capazes de travar a crise económica e social, de achatar esta curva de perda brutal, somaremos uma crise financeira à equação. E em menos de uma década - uma década de austeridade, de pobreza, de emigração e sangramento - não sairemos do buraco.
É preciso que haja fumo branco em breve ou corremos o risco de querer aplicar curativos quando a doença já estiver tão espalhada que só se controle com cuidados intensivos. Mário Centeno já antecipa que um terço da dívida em moratória pode transformar-se em malparado - o que se traduz em centenas de pessoas (e também empresas) a não conseguir pagar contas, comprar comida, manter a casa. Centenas a entrar pela porta larga na pobreza. É este retrocesso brutal que arriscamos viver, atirando Portugal para trás e para muito mais longe dos melhores. E deixando os portugueses irremediavelmente debaixo de água.