Um "namoro a três" em Lisboa, onde toda a esquerda quer acordos
Se Fernando Medina vencer as eleições de 26 de setembro sem maioria absoluta, não lhe faltará com quem negociar a composição de um executivo maioritário na capital. É "um namoro a três", chamou-lhe Carlos Moedas, candidato da coligação Novos Tempos, no debate DN/TSF sobre as eleições autárquicas em Lisboa, que juntou nos Paços do Concelho os candidatos dos partidos com representação na vereação lisboeta. "O que vemos são três partidos a discutir como é que vão continuar a fazer aquilo que sempre fizeram", criticou Moedas, afirmando-se como a "única alternativa".
Ao longo de quase hora e meia, Bloco de Esquerda e PCP deixaram expressa a disponibilidade para negociar pelouros com os socialistas - mas sem cheques em branco, garantem. Com João Ferreira e Beatriz Gomes Dias a disputar um resultado que lhes abra as portas para influenciar a governação a partir de dentro, o candidato comunista subiu - e muito - o tom das críticas à atuação do BE nos últimos quatro anos, falando numa "força que se predispôs a ser bengala do PS". "Aquilo que o Bloco de Esquerda fez foi dar um acordo, um conforto ao PS de que durante quatro anos tinha garantidos os orçamentos municipais", acusou o candidato da CDU, apontando também um "muito elevado grau de incumprimento em áreas muito diversas, mesmo na educação e direitos sociais" - os dois setores diretamente sob a tutela dos bloquistas. "Isso não é verdade, há muitas medidas que foram plenamente concretizadas", contrapôs Beatriz Gomes Dias, afirmando que o BE "não é muleta do PS e não assina cheques em branco". A candidata bloquista fez, aliás, um balanço "muito positivo do acordo" firmado com o PS há quatro anos. Com uma ressalva: "Houve coisas que ficaram por fazer, nomeadamente na habitação."
Se do lado dos partidos mais à esquerda há sinais de disponibilidade para um acordo pós-eleições, do lado do PS a abertura também é manifesta. Nas palavras de Fernando Medina: "Não foi por falta de disponibilidade do PS que não houve mais vereadores com pelouros atribuídos [no anterior mandato]. Fico contente que agora venha a haver."
Qual leitura nacional?
Já sobre a leitura nacional destas eleições autárquicas e as consequências que podem ter no futuro político dos próprios candidatos, Medina e Moedas convergiram na recusa de outras ilações. Se há pouco mais de dois meses o secretário-geral do PSD, José Silvano, dizia em entrevista à TSF/JN que Moedas será "o primeiro a perder tudo" com um mau resultado em Lisboa (e o "tudo" incluía uma eventual corrida à liderança do PSD), Moedas evitou a questão. "O meu único objetivo é ser presidente da Câmara de Lisboa. O que está aqui em jogo é mesmo Lisboa, não há nada que tenha a ver com a sede nacional do PSD. Não há aqui leitura em relação ao PSD, da minha parte", garantiu o candidato da coligação que reúne o PSD, CDS, PPM, MPT e Aliança.
Também Fernando Medina recusa que o resultado do próximo dia 26 de setembro venha a condicionar o seu caminho futuro no PS, nomeadamente quando se discutir a sucessão de António Costa. "O que está em causa é a eleição da Câmara Municipal de Lisboa e o seu futuro, com o qual estou profundamente comprometido. Essas questões laterais sobre o futuro político de cada um têm muito interesse para o comentário político, mas não me motivam".
Os privados têm um papel a desempenhar na resolução do problema da habitação em Lisboa? A resposta a esta pergunta dominou parte do debate DN/TSF em torno deste tema, pôs Carlos Moedas a acusar a esquerda de preconceito ideológico e Medina a acusar o Bloco de Esquerda do mesmo.
"Há aqui um debate que é ideológico. Eu não acredito que só o público, só a câmara municipal, vão resolver" o problema, sustentou o candidato da coligação Novos Tempos, que defendeu que é preciso acelerar os processos urbanísticos na autarquia. "O licenciamento na câmara está completamente parado, temos os promotores imobiliários a dizer que as demoras têm o impacto de aumentar os preços em um terço, portanto temos que aumentar a oferta para diminuir os preços", sustentou Moedas, que, no plano da habitação, voltou a defender a isenção de IMI para jovens até aos 35 anos, bem como a recuperação de 1600 fogos municipais que diz estarem devolutos na cidade - um número que Medina contesta. O candidato da coligação encabeçada por PSD e CDS propõe-se também recuperar para renda acessível dois mil fogos do património da câmara.
Logo a seguir foi a vez de João Ferreira, que começou por se pronunciar sobre as propostas do adversário político: "Não vai resultar absolutamente em nada": a isenção de IMI que Carlos Moedas propõe vai permitir "borlas" aos que "têm mais dinheiro." Ao invés, o candidato da CDU sublinha que a câmara tem atualmente condições "excecionalmente boas" para fazer face ao problema e, sem recusar o envolvimento dos privados, defendeu que é possível majorar a oferta de habitação pública em 30% no programa de renda acessível.
Também Fernando Medina começou por responder a Moedas, puxando pelos números: "Não há 1600 fogos devolutos nem nos bairros municipais, nem no património isolado. O património disperso da câmara, que está levantado e é público, tem 2087 fogos habitacionais, dos quais estão ocupados 1481, 386 estão em edifícios que serão demolidos, 153 estão libertos para serem requalificados. Em relação aos bairros municipais, há um processo normal de rotação e há sempre poucas centenas, na casa dos 200/250, que anualmente são libertadas."
À sua esquerda, Medina acusou o Bloco de cometer um "erro de preconceito" ao recusar parcerias público-privadas para a área da habitação: "Uma coisa é entender que o setor privado vai assegurar o direito à habitação para as classes médias - não vai. Outra coisa é saber se os privados podem participar em programas promovidos pela câmara." Beatriz Gomes Dias, por seu lado, insistiu num plano "100% público, com uma gestão feita pela câmara", defendendo que só nestas condições é possível regular o mercado e afastar a especulação: "Não se trata de um preconceito ideológico. Ceder 30% de um programa de renda acessível a privados não é uma intervenção robusta no mercado, pois esses 30% são perdidos para a especulação imobiliária."
O PRR, a "maior vergonha que estamos a viver"
O debate passou ainda pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que Carlos Moedas qualificou como a "maior vergonha que estamos a viver", acusando os socialistas de estar a dirigir o Plano "apenas para os que estão com o governo"."Vejo Fernando Medina falar do PRR como se fosse dele. Temos que ter muito cuidado, porque o PRR é o esforço de todos os portugueses", criticou o social-democrata, repetindo críticas que já se ouviram quer ao líder do PSD, Rui Rio, quer ao secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa. Fernando Medina reagiu dizendo que é preciso dar "um desconto" ao que os líderes partidários vão dizendo neste período eleitoral.
A gratuitidade dos transportes públicos é uma medida contraproducente, que não retira mais automóveis das ruas e é um fator de subfinanciamento dos transportes públicos. Quem o diz é Fernando Medina, que, em clara oposição a Carlos Moedas, mas também ao Bloco de Esquerda, sustenta que os transportes públicos em Lisboa não devem ser gratuitos.
"Nós fizemos uma grande reforma e uma grande descida do preço dos tarifários. Hoje o preço não é obstáculo ao acesso ao transporte público. Está demonstrado que a partir de determinado patamar a redução dos tarifários não retira automóveis, o que retira é pessoas de andar a pé e de outros modos suaves", argumenta Medina, estimando que uma medida desta natureza, "entre Carris e Metropolitano, levaria à perda de 250 milhões de euros de receita só na cidade de Lisboa". "Para quem, à esquerda, faz estas propostas lembro que retirar receitas dos serviços públicos sempre foi a receita da direita", atirou Medina num recado ao BE - "é uma "medida perigosa e negativa".
Mas Beatriz Gomes Dias não só não concorda com o princípio enunciado pelo atual presidente da câmara - "a gratuitidade dos transportes públicos é importante para convencer as pessoas a deixar os carros em casa" - como rejeita que a medida possa representar um problema de subfinanciamento dos transportes públicos . "Temos outras fontes de financiamento que podem ser usadas . A câmara tem um orçamento bastante grande, pode alocar verbas para fazer esse investimento", diz a candidata bloquista, com um exemplo em concreto: "O valor é inferior ao que a câmara usa para financiar a Web Summit."
Também Carlos Moedas defendeu transportes públicos "tendencialmente gratuitos", lembrando as propostas que apresenta de gratuitidade para jovens até aos 23 anos e para os maiores de 65 anos. Ainda no capítulo da mobilidade, o candidato da coligação Novos Tempos sustentou que é preciso "evitar que os carros entrem em Lisboa" e para isso são necessários parques de estacionamento dissuasores à entrada da cidade - os mesmos que "Fernando Medina prometeu em 2017".
Para Moedas, os problemas de mobilidade só se resolvem dando "vantagem às pessoas de Lisboa, que muitas vezes estão em desvantagem face aos que vêm de fora". "Sem nenhuma fiscalização da EMEL, que a partir das sete da noite e até às nove da manhã não fiscaliza nada. As pessoas que estão na sua zona residencial não conseguem estacionar, toda a gente lá estaciona", apontou, e defendeu "parquímetros mais baratos para aqueles que residem em Lisboa". Questionado sobre os milhares de pessoas que todos os dias entram na cidade para trabalhar, o candidato PSD/CDS manteve que "aqueles que são cidadãos de Lisboa devem ter uma vantagem" em relação a quem trabalha na cidade. E concluiu: "Para quem viveu fora de Portugal... o pior sistema de transportes públicos que conheço é o de Lisboa."
João Ferreira sublinhou que os transportes públicos têm de ser "baratos, rápidos, frequentes, cómodos e eficazes", mas sem defender a gratuitidade. Melhorar os serviços da Carris, criar um transporte específico para as crianças em idade escolar e limitar os "impactos negativos" do "erro colossal" que será a linha circular do metro foram as principais propostas enunciadas pelo candidato da CDU.
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