Um menu para resgatar memórias gastronómicas do 25 de Abril
Há 49 anos, da escola Prática de Cavalaria de Santarém partiu a coluna miliar liderada por Salgueiro Maia que, em Lisboa, fez a revolução. A poucos quilómetros dali, na Portela das Padeiras, os pais de Manuel Vargas já estavam à frente do Oh!Vargas, restaurante que este agora comanda com a mulher. Só nasceu depois do 25 de Abril, mas aceitou com entusiasmo o desafio de recuperar as memórias gastronómicas desse tempo. O resultado é um menu especial, que será servido no espaço entre hoje e domingo.
Carapauzinhos de escabeche (6€), pastéis de bacalhau com arroz de tomate (13€), salsichas frescas com couve-lombarda (13€) ou língua de vaca estufada com puré de batata (15€) são algumas das propostas da ementa especial alusiva ao 25 de Abril - apresentada em complemento à habitual carta -, resultado de uma pesquisa feita junto de gastrónomos, críticos e clientes antigos, entre os quais um Capitão de Abril. "Quando aqui comecei a trabalhar, nos anos 1990, servíamos muito estes pratos", lembra-se Manuel Vargas, 38 anos, que "não gostava muito de ir à escola" e começou cedo a servir às mesas no negócio dos pais.
São pratos mais tradicionais, que ainda se comem por aí mas difíceis de encontrar em restaurantes de cozinha contemporânea como o Oh!Vargas. O chef Rui Lima Santos, 35 anos, já os tinha cozinhado a todos, mas garante que "o simples nem sempre é o mais fácil". Para o caldo verde (4€), que fica com um tom mais acastanhado que aquele a que estamos habituados, usa uma panela de ferro fundido, como a que a família usava, e coloca-a no forno a carvão do restaurante. Para a língua estufada com puré de batata, por exemplo, a carne é sangrada durante 12 horas em água e gelo antes da cozedura e, depois, precisa de tempo para absorver bem todos os temperos do refogado. E as pêras bêbedas (4€) da sobremesa ficam exatamente como a mãe de Manuel Vargas as fazia.
"São memórias de antigamente", realça o proprietário do restaurante, sem esconder a comoção que o invadiu ao provar alguns destes pratos e ao lembrar outros tempos passados naquele mesmo espaço. "Eu e os meus pais morávamos aqui. A cozinha da nossa casa era a cozinha do restaurante", recorda.
Foi o avô paterno que esteve na origem de tudo, nos anos 1950, ao convidar amigos para saborear leitões que ele próprio assava. "Nunca passou a receita do molho a ninguém. Uma pena....", lamenta Manuel Vargas. Em 1973, os pais de Manuel - Olímpia e Vítor Vargas, recentemente falecido - fizeram nascer, oficialmente, o restaurante OH!Vargas, abraçando a gestão deste espaço. "A minha mãe não sabia cozinhar. Aprendeu tudo com o meu avô, foi aprimorando as técnicas e tornou-se uma grande cozinheira", elogia o proprietário, que, com a mulher, gere o restaurante desde 2019, tendo operado uma profunda transformação no espaço.
A iniciativa 25 de Abril à mesa d"OH!VARGAS tem um cariz gastronómico, mas também sociocultural, homenageando as pessoas daquele tempo.
sofia.fonseca@dn.pt