Um Leopardo de Ouro para Singapura!
Locarno não teve nenhum título português no palmarés mas o cinema nacional foi uma das marcas fortes de uma edição com qualidade acima da média. Talvez o filme que mais se tenha destacado do contingente nacional tenha sido Sobre Tudo Sobre Nada, de Dídio Pestana, um manifesto de corações quebrados que, mesmo sem distinção na secção Signs of Life/Sinais de Vida, deverá ter uma boa vida internacional em festivais de bom gosto.
O único grau de aproximação a Portugal no palmarés está no Grand Prix Variety, para o segundo melhor filme da secção Piazza Grande, neste caso para Le Vent Tourne, de Bettina Oberli, simpático filme romântico, no qual Nuno Lopes divide o protagonismo com Melanie Thierry. Um prémio popular para um filme que ainda vai escancarar mais a notoriedade europeia do ator português.
O Leopardo de Ouro foi para uma das descobertas de um festival que mistura os novos com os consagrados. A Land Imagined, de Yeo Siew Hua, foi o vencedor depois de um apoio crítico notável. Este pequeno filme oriundo de Singapura terá impressionado um júri comandado pelo chinês Jia Zhangke. O filme é um olhar experimental sobre Singapura e as suas flutuações e migrações humanas com um toque de thriller.
De destacar também a vitória do contigente feminino. O prémio especial do júri foi para a francesa Yolande Zauberman, com M, enquanto a melhor realização foi para a chilena Dominga Sotomayor, com Tarde Para Morir Joven.
Justo, justíssimo é o prémio para melhor atriz, a romena Andra Guti, a adolescente grávida de Alice T, de Radu Montean, provavelmente um dos melhores filmes em competição.
Hong Sangsoo, que era dos favoritos ao Leopardo de Ouro, viu o seu Hotel by The River ser premiado com melhor interpretação masculina, neste caso para Ki Joobong.
O filme que mais nos agradou na corrida da competição principal foi Ray & Liz, a estreia em cinema do fotógrafo Richard Billingham, que apenas recebeu a Menção Honrosa do júri. Prémio de consolação para um exercício de extrema claustrofobia situado nos anos 1980 de uma Birmingham muito depressiva. Billingham expõe com humanismo fusco a sua terrível infância num bairro social e o alcoolismo dos pais. Ray & Liz foi, entretanto, selecionado para o Festival de Nova Iorque.
O bom gosto deste júri permitiu que, felizmente, Diane, de Kent Jones, ficasse fora do palmarés. Este filme americano do autor de Hitchcock/Truffaut terá sido a grande desilusão da última seleção de Carlo Chastrian, o diretor artístico que abandona Locarno para dirigir a Berlinale.
Na secção de cineastas emergentes Cineasti di Presente/Cineastas do Presente, o Leopardo foi para Chaos, de Sara Fattahi, ao passo que o turco Tarik Atkas venceu com Dead Horse Nebula o prémio de melhor realizador emergente.
Recorde-se que no passado, na mesma secção, Verão Danado, de Pedro Cabeleira, venceu uma Menção Honrosa. De estranhar apenas que Temporada, do brasileiro André Novais Oliveira, tenha sido ignorado. O filme é a confirmação de um cineasta com um perfeito domínio dos tempos dramáticos e com um olhar honesto sobre um Brasil do interior mergulhado num marasmo social patológico.
Por fim, de assinalar a vitória de Spike Lee no prémio do público. Depois do Grand Prix de Cannes, BlackKksman, vence de novo num grande festival mundial. O "comeback" do autor de Malcom X e A Última Hora é uma realidade! Esta história verdadeira sobre um negro que se infiltra nos meandros do Ku Klux Klan é um dos filmes de que se fala para a próxima temporada dos prémios.
* o DN viajou até Locarno a convite do festival.