Um inquilino de Belém interventivo e pedagógico
A primeira entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República, no fim do primeiro ano de mandato, revelou um inquilino de Belém interventivo e pedagógico, observaram analistas e comentadores ouvidos pelo DN.
O presidente e líder parlamentar do PS, Carlos César, viu um Chefe do Estado que "acompanha de forma muito minuciosa a situação política e económica do país". Assim, "mais do que uma consonância política com o Governo, o Presidente deu expressão a um sentimento que me parece dominante na sociedade portuguesa, que é o da valorização da estabilidade política, de decisões relevantes já tomadas e dos resultados positivos que temos alcançado", afirmou o líder socialista ao DN.
Com os outros partidos políticos a não quererem comentar a entrevista, o politólgo António Costa Pinto considerou que Marcelo "continuará a ser um Presidente discursivamente e informalmente bastante interventivo, tanto "sobre o ponto de vista da mensagem pública" como através da "dimensão informal dos poderes presidenciais" - leia-se contactos com o Excutivo, os partidos e a sociedade civil. "Marcelo confirma aquilo que todos os presidentes da República têm feito" no cargo: "adotar um determinado estilo político", sendo que o atual "tem um estilo mais interventivo, mais próximo da opinião pública, da sociedade civil" - que "justificou e vai continuar a fazê-lo", destacou.
José Adelino Maltez, por sua vez, interpretou a entrevista como "o fim do primeiro ciclo" do mandato presidencial. Embora dizendo que assistiu na SIC a "uma conversa para o eleitor médio" - que traduziu como "a confirmação do marcelismo costista ou do costismo marcelista" (numa referência ao primeiro-ministro, António Costa), com Marcelo a "falar para a maioria sociológica, não exprimir preocupações, não lançar grandes desafios" -, o cientista político mostrou-se convicto de que "vêem aí novos tempos". "Um Presidente da República intervencionista, de acordo com aquilo que foi o programa de interpretação da Constituição" expresso por Marcelo Rebelo de Sousa, vai forçar "a criação de consensos de regime" - e "ele vai provocá-los", sustentou.
A entrevista foi "a procura do softpower", em que se ouviu o Presidente da República dizer "o que o povo gosta" e até "explicitar o apoio indireto ao que chamam a geringonça". Agora, fazendo "uma profecia" que disse que o próprio Marcelo "já anunciou", o académico apontou algumas áreas onde o Chefe do Estado vai forçar acordos de regime "porque tem apoio popular para isso": a concertação social, a defesa, a segurança ou a educação.
O antigo comentador José Magalhães elogiou a capacidade de Marcelo em "romper o tropel de perguntas" dos entrevistadores da SIC e "ser explícito" nas respostas dadas. Considerando "bizarro que se transforme uma entrevista ao Presidente da República numa espécie de pugilato perguntativo", o ex-deputado do PS salientou que ele "foi absolutamente excelente", nas respostas dadas e "como explicou" as "preocupações justas com a economia" ou na "apreciação do que se deve fazer em relação à dívida" pública.
António Costa Pinto observou ainda que Marcelo, "como os outros presidentes da República, afirma-se como garante da estabilidade política" a partir de Belém, "independentemente de termos um Governo inédito em Portugal". "Não será de esperar a curto prazo que, mantendo essa estabilidade e apoio à esquerda, Marcelo seja um empecilho ao funcionamento" do Executivo.