Iranianos protestam contra regime por ter abatido avião com míssil
Depois de ter admitido este sábado que derrubou por engano o avião ucraniano, provocando a morte de 176 pessoas, o regime do Teerão vê-se abalado por uma onda de condenação internacional e pelos protestos internos, com muitos iranianos a saírem à rua em todo o país. Isto apesar de os líderes do Irão se terem esforçado, em declarações públicas, para minimizar as consequências de um ato que foi negado até ao fim, mesmo depois dos serviços de inteligência internacionais garantirem que tinham provas de que tinha sido um míssil iraniano a destruir a aeronave da Ukrainian Airlines.
"Erro imperdoável", "erro humano", "profundo arrependimento" e pedidos de "desculpa" pela morte dos "inocentes" foram algumas das palavras usadas pelos líderes políticos, religiosos e militares do Irão depois de negarem durante três dias a responsabilidade no abate do avião. Numa atitude inédita, o líder supremo, aiatola Ali Khamenei, ordenou uma investigação ao corpo da Guarda Revolucionária, mas nem o mea culpa nem as promessas de que os culpados serão punidos chegaram para conter a revolta dos iranianos - que saíram para a rua em protesto - ou da comunidade internacional que exige justiça.
Horas depois da admissão da culpa por parte do regime de Teerão, a Agência Europeia para a Segurança da Aviação recomendou às companhias aéreas europeias que evitem sobrevoar o Irão. "Com base em todas as informações disponíveis, a recomendação face às atuais condições de segurança é que sobrevoar o Irão a qualquer altitude deve ser evitado até novo aviso, como medida de precaução", afirmou a agência europeia (EASA) num comunicado de imprensa. A agência recomendou às companhias aéreas que evitem também sobrevoar o Iraque.
"O inquérito interno das forças armadas concluiu que lamentavelmente mísseis lançados por engano provocaram a queda do avião ucraniano e a morte de 176 inocentes", admitiu o presidente Hassan Rohani, numa mensagem divulgada na rede social Twitter.
"As investigações continuam para identificar e levar à justiça" os responsáveis, acrescentou.
Também o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano apresentou "as desculpas" do país pela catástrofe do Boeing 737 da companhia Ukrainian Airlines, depois de as forças armadas terem igualmente reconhecido que o avião foi abatido por erro.
"Dia triste", escreveu Mohammmad Javad Zarif no Twitter. Um "erro humano em tempos de crise causada pelo aventureirismo norte-americano levaram ao desastre, acrescentou.
"O nosso profundo arrependimento, desculpa e condolências ao nosso povo, às famílias das vítimas e às outras nações afetadas" pelo drama, disse o ministro.
O Estado-maior das forças armadas do Irão garantiu à população do país que "o responsável" pela tragédia do Boeing ucraniano abatido na quinta-feira nos arredores de Teerão, vai ser imediatamente apresentado à justiça militar.
"Garantimos que ao realizar reformas fundamentais nos processos operacionais ao nível das forças armadas, vamos tornar impossível a repetição de tais erros", acrescentou, em comunicado.
Até aqui, o Irão tinha negado que um míssil fosse responsável pelo acidente. Já os Estados Unidos e o Canadá afirmaram desde logo, citando informações dos respetivos serviços de segurança, que o acidente tinha sido causado por um míssil iraniano.
O avião, um Boeing 737 da companhia aérea Ukrainian International Airlines, descolou de Teerão, com destino a Kiev, despenhando-se dois minutos após a descolagem nos arredores da capital iraniana. O acidente ocorreu horas depois do lançamento de 22 mísseis iranianos contra duas bases da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, em Ain Assad e Erbil, no Iraque, numa operação de vingança pela morte do general iraniano Qassem Soleimani.
O aparelho, com destino a Kiev, transportava 167 passageiros e nove tripulantes de várias nacionalidades, incluindo 82 iranianos, 57 canadianos, 11 ucranianos, dez suecos, quatro afegãos, três alemães e três britânicos.
O comandante da brigada aeroespacial dos Guardas da Revolução iranianos assumiu, entretanto, a "responsabilidade total" pela queda do Boeing 737 ucraniano, numa declaração transmitida pela televisão. "Preferia ter morrido a assistir a tal acidente", disse.
O operador do míssil que abateu o Boeing ucraniano em Teerão abriu fogo sem poder obter a confirmação de uma ordem de tiro devido a uma "interferência" nas telecomunicações, disse o general iraniano.
O soldado confundiu o avião com um "míssil de cruzeiro" e teve "10 segundos" para decidir, declarou o general. O ato negligente levou o aiatola Ali Khamenei, líder supremo do Irão, a ordenar às forças armadas do país que reforcem a atenção, fazendo o que for necessário "para evitar a repetição de um acidente". Khamenei apresentou também as suas "sinceras condolências" às famílias das vítimas do "triste acidente".
O vice-presidente da companhia aérea ucraniana cujo avião foi abatido no Irão considerou que o facto de as autoridades iranianas terem mantido o espaço aéreo civil aberto durante as hostilidades com os Estados Unidos foi "absolutamente irresponsável".
"Quando se está em guerra, age-se como quiser. Mas deve-se proteger as pessoas comuns. Se estão a atirar de um lado para outro, deve-se fechar o aeroporto", disse Ihor Sosnovskiy, em conferência de imprensa.
"A manhã trouxe a verdade. A Ucrânia insiste num pleno reconhecimento de culpa. Esperamos do Irão que leve os culpados à justiça, devolva os corpos, pague uma indemnização e publique um pedido de desculpas oficial", reagiu o presidente ucraniano no Twitter, que falará, ao telefone, com o homólogo iraniano sobre o acidente, nas próximas horas. Volodymyr Zelensky insiste na punição dos responsáveis pela queda do avião, enquanto exige a continuação do inquérito para apurar tudo o que se passou.
"A investigação tem de ser completa, aberta e deve continuar sem atrasos ou obstáculos", escreveu ainda. Esta sexta-feira, a Ucrânia enviou 45 peritos para o Irão para investigar as causas do acidente. "Os nossos especialistas no Irão tiveram acesso a todas as fotografias e vídeos e outras informações necessárias para analisar os processos em curso em Teerão", garantiu a presidência da Ucrânia, em comunicado. No entanto, de acordo com Hassan Rezaeifar, responsável pelo inquérito, a recuperação das caixas negras do avião pode tardar um mês e o processo de análise pode prolongar-se durante um ano.
Também o primeiro-ministro do Canadá - o país de origem de dezenas dos passageiros que se encontravam a bordo do avião - já reagiu e exigiu "transparência" na realização de um "inquérito completo e aprofundado" para apurar responsabilidades, depois de o Irão admitir ter abatido por engano um avião que transportava vários canadianos.
"A nossa prioridade continua a ser esclarecer este caso num espírito de transparência e justiça", afirmou Justin Trudeau, em comunicado. "Esta é uma tragédia nacional e todos os canadianos estão de luto. Vamos continuar a trabalhar com os nossos parceiros em todo o mundo para garantir a realização de um inquérito completo e aprofundado", afirmou.
Trudeau acrescentou que "o Governo do Canadá espera a plena colaboração das autoridades iranianas". O mesmo apelo faz Stefan Lofven, o primeiro-ministro sueco, nacionalidade também representada entre os mortos (no avião seguiam dez suecos e sete residentes na Suécia). "O facto de um avião ter sido abatido é terrível e horrível. Ter um avião civil abatido - acidentalmente ou não - é um ato que tem de ser condenado e o Irão tem de assumir a responsabilidade total também em relação aos atingidos".
Para o primeiro-ministro britânico, "o primeiro passo importante" foi dado: o Irão reconhecer o erro. "Agora precisamos de uma investigação internacional completa, transparente, independente e a repatriação dos mortos", disse Boris Johnson.
Os países envolvidos estão de luto e multiplicam-se as manifestações de homenagem a quem perdeu a vida no acidente.