Um éden na cidade de Lisboa
O Le Monde não poupa elogios a Monsanto no artigo que dedica ao pulmão verde da capital portuguesa na sua edição de fim de semana, ao ponto de o título ser "À Lisbonne, un éden dans la ville". São mil hectares, sublinha a jornalista Anne-Lise Carlo, que permitem a Lisboa reclamar ter uma floresta dentro da cidade, um pouco como Berlim ou Seul também o fazem. Cerca de 10% do território urbano, acrescenta a francesa, num tom entusiasmado, mas sobretudo bem informado, até porque cita longamente Fernando Louro Alves, o engenheiro florestal que tem a responsabilidade de gerir Monsanto no âmbito da Câmara Municipal de Lisboa.
Refiro aqui este artigo porque muitas vezes é preciso vir alguém de fora para valorizar aquilo que damos por adquirido. Para mim, por exemplo, um setubalense que se foi transformando em lisboeta depois de vir estudar e trabalhar na capital, Monsanto, de início, parecia sempre ali ter estado, uma montanha plena de vegetação no meio da cidade, mais próxima de quem vive na Ajuda ou Benfica, mas importante para todo o meio milhão de habitantes e também para os muitos que, não vivendo em Lisboa, nela trabalham.
Foi no arquivo do DN que pela primeira vez percebi que afinal o verde de Monsanto era recente. Há fotografias de há um século que mostram uma montanha quase sem árvores. Como o artigo do Le Monde explica, o tal pulmão verde foi criado há 84 anos, ou seja, há ainda lisboetas que se recordam de olhar para ali e ver terras agrícolas áridas e esgotadas pelo pastoreio onde hoje estão sobreiros, pinheiros, ciprestes e até 23 espécies de orquídeas selvagens. O mérito inicial pertenceu a Duarte Pacheco, político com fama de visionário que beneficiou também de ser presidente da Câmara e, em simultâneo, ministro das Obras Públicas da ditadura salazarista (as expropriações foram polémicas na época). Mas desde então muitos nomes têm contribuído para o reforço da vegetação, para a defesa de uma espécie de floresta mediterrânica no meio da grande cidade, também refúgio de lazer para muitos lisboetas, como o Le Monde destaca, falando ainda da ação educativa.
Deixemos o artigo do Le Monde, agradecendo reavivar-nos a memória, e tiremos uma lição de Monsanto que nos pode ser útil neste verão em que Portugal é de novo assolado pelos fogos: o génio humano tem capacidade para regenerar a natureza quando assim o quer e quando o faz com conhecimento de causa. E, sobretudo, quando tem a generosidade de avançar, mesmo sabendo que os resultados só vão ser evidentes passadas duas ou três gerações.
Diretor adjunto do Diário de Notícias