PJ: um diretor que ainda corre na rua atrás de ladrões
A partir de hoje, dia 18 de junho, a PJ vai ter um novo diretor nacional que dirigiu a investigação de alguns dos casos mais mediáticos desta polícia - rei Ghob, ETA em Portugal, espião do SIS que se vendeu à Rússia, célula de marroquinos que recrutaram em Portugal para o daesh. skinheads - onde assumiu pela primeira vez funções, como inspetor, em 1996, na histórica Direção Central de Combate ao Banditismo. Luís Neves não tardou a dar nas vistas, pela sua atitude enérgica, perseverante e tão empenhada que fazia, como acontece ainda hoje, com que fosse normal prolongar o trabalho fora de horas, fins de semanas e feriados.
Com 53 anos, gosta pouco de trabalho de gabinete, apesar das funções que desempenhou desde 2009, como diretor da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT), o obrigarem a gastar em burocracias parte do seu tempo. Não perde a oportunidade de, sempre que pode, acompanhar de perto as investigações para garantir que não ficam pontas soltas ou contribuir com a sua experiência. Ou mesmo porque investigar lhe está no sangue e apanhar bandidos é uma missão que leva muito a peito. Nem que tenha de os perseguir a correr na rua, como aconteceu ainda no ano passado.
É mais uma história de Luís Neves que correu entre as polícias, principalmente na PSP. Estava a sair de um restaurante em Benfica quando se apercebeu de uma pessoa a pedir ajuda, ferida, que tinha acabado de ser assaltada. O suspeito virava ainda a esquina, quando Neves, despedindo-se com um rápido aceno do amigo com quem almoçara, saltou para a rua atrás do ladrão. Correu quase 800 metros, quando o homem entrou para um pátio entre prédios para se esconder. Nessa altura a perseguição já tinha alertado a PSP e alguns agentes juntaram-se-lhe no encalce ao homem. Sem reconhecer Neves começaram a perguntar quem era aquele indivíduo que dava ordens para ficarem em silêncio e apontava para um canto. Estava lá o ladrão, com cerca de 30 anos, escondido numas águas furtadas. Depois de detido ainda olhou para aquele polícia, onde o grisalho já se impõe no louro da barba, sem perceber como o tinha apanhado. O homem era procurado por uma série de outros crimes violentos, segundo contou na altura o Correio da Manhã.
Declaração de guerra à extrema direita
De Luís Neves não se espera outra coisa se não continuar a ser o que sempre foi e, tantas vezes, a levar os seus inspetores até à exaustão até que as investigações estejam concluídas. O crime violento e organizado, o terrorismo e os extremismos violentos estarão certamente na sua mira. Em relação aos extremismos, ainda recentemente o novo diretor nacional assumiu contra estes movimentos uma declaração de guerra, mais. Foi no congresso da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, que decorreu em Braga, no passado mês de abril.
"Não é só ao extremismo jihadista que estamos atentos. A UNCT, com colaboração de outras forças e serviços de segurança, tem atacado outras vertentes que podem vir a incendiar a nossa vivência de Estado democrático e que têm que ver com uma extrema-direita radical, emergente e criminosa", sublinhou. Luís Neves é responsável pela detenção, por três vezes, do ex-líder dos hammerskins (grupo mais violento dos neonazis cabeças rapadas), Mário Machado, por crimes de ódio, agressões, extorsão, entre outros. Outra investigação que ainda está nas mãos da UNCT está ligada a uma megaoperação realizada em final de 2016, com a detenção de 17 cabeças rapadas envolvidos em casos de agressões violentas e tentativa de homicídio, motivado pelo ódio racial, político e religioso, contra comunistas,
negros, muçulmanos e homossexuais.
As pedras no sapato
Por muito preenchido que seja o passado de Luís Neves na PJ, com importantes sucessos da sua UNCT (e da ex-DCCB) é o futuro próximo, enquanto diretor nacional que pode ser decisivo para escrever a sua parte na história da PJ. Entre as múltiplas qualidades que lhe apontam, não está a de fazer milagres. E é quase isso que precisará para revigorar uma envelhecida Judiciária (média de idades dos
inspetores é a mais elevada de sempre, com 48 anos) e convencer o governo a abrir mais concursos de recrutamento. Não entra ninguém na PJ desde 2014 e o curso para novos inspetores, cujo concurso abriu há três anos, ainda não começou. A passagem de testemunho, de experiência, todo o know how de uma geração de polícias da chamada velha escola, da rua, dos "bufos", está a ir reformada para casa sem que os mais novos bebam a sua sabedoria.
Tanto a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, como o primeiro-ministro, António Costa, sabiam ao que iam quando convidaram o incansável Luís Neves. Sabem que contam com o seu total empenho, mas também sabem que não descansará enquanto
não conseguir dar à sua PJ tudo o que precisa para servir ainda melhor o país. Esta será uma das pedras no seu sapato. Mas tem outras, a outra escala, mas que, manifestamente o incomodam.
Uma é Tancos, uma investigação que ainda não conseguiu concluir, apesar de todas as pressões até ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Sabe-se que enfrentou os militares da Polícia Judiciária Militar (PJM) quando estes queriam liderar a investigação, tendo o Ministério Público considerado que devia mesmo ser a UNCT a encontrar os responsáveis pelo humilhante assalto às instalações do Exército. Desde que o material roubado foi recuperado, em outubro do ano passado, que se aguardam conclusões.
Outro assunto incómodo para a UNCT, principalmente no que diz respeito à relação já tradicionalmente tensa com a PSP - tensa porque a PSP tem investigações que entram muitas vezes nas áreas de competência da PJ - é o caso dos 18 polícias de Alfragide, que estão a ser julgados por tortura e racismo contra seis jovens da Cova da Moura. Depois de ouvir as vítimas, o procurador do MP da Amadora -na altura o procurador da República Paes de Faria - decidiu pedir ajuda a UNCT, por entender que havia indícios de crime de tortura. A UNCT acabou por identificar 18 agentes suspeitos de envolvimento das brutais agressões, o dobro daqueles que a Inspeção-Geral da Administração Interna tinha aberto processos disciplinares (arquivando sete dos nove). No tribunal, a defesa dos agentes tem tentado por em causa as conclusões da PJ e os polícias negam perentoriamente todas as acusações, perante um MP no tribunal pouco dado a defender a sua investigação.
Com a PSP teve, até há pouco tempo, outra pedra no sapato. Foi na investigação aos assaltos dos multibancos, mas acabou por vencer essa "guerra". A PSP entende que, por ter muitos mais agentes no terreno e mais possibilidade de recolher informação, devia mais participação nestes casos, defendendo no MP que fossem constituídas equipas mistas de investigação criminal, para obrigar a PJ a
partilhar mais informação. Diplomata, Luís Neves aceitou o apoio, foram feitas detenções, umas com a PSP, outras sem, mas equipas mistas nem vê-las. Defensor da centralização da informação, de uma análise macro dos crimes, visando a detenção dos gangues em grande escala, este responsável sabe ser paciente, sempre que pode, quando não estejam em causa vidas. Os assaltos às ATM, esses, praticamente acabaram.
Daqui para a frente, este polícia, que até já defendeu publicamente a legalização de imigrantes indocumentados como forma de combater radicalismos ("A melhor prevenção quer para o tráfico de seres humanos, quer para situações de radicalização, é a integração dessas pessoas, munidas de documentação e direitos. Saber quem são e acolhê-las de forma rápida, deixá-las ser felizes no nosso país. Sentindo-se integrados esses imigrantes sentem gratidão com o país e isso ajuda a evitar os radicalismos", disse na conferência de inspetores do SEF) , corre um risco principal: o de deixar de ser recordado por tudo o que já fez, quase lendário, e passar a ser só mais um diretor nacional, numa era em que o crepúsculo ameaça a PJ. Que se consiga aliar às outras polícias, sem perder a sua identidade e valor.