Um dia à descoberta da capital imperial de Carlos Magno
A maior parte de nós conhece provavelmente esta mítica cidade pelo nome francês de Aix-la-Chapelle, a capital de Carlos Magno, mas o seu nome atual é o bem alemão Aachen e se procurarmos nos dicionários portugueses ainda vamos encontrar a versão Aquisgrana, que se inspira no antiquíssimo Aquae Granni. Este nome em latim era uma referência às águas termais que faziam as maravilhas dos soldados romanos instalados neste ponto extremo do Império no início do primeiro milénio.
Mas se a antiguidade de Aachen é indesmentível ainda que difícil de definir ao certo, pois há vestígios arqueológicos de tribos celtas ainda antes da chegada dos romanos e dos germânicos, o seu grande monumento tem uma data bem mais precisa, cerca do ano 800, o mesmo em que Carlos Magno se fez coroar pelo papa Leão III como o primeiro imperador na Europa Ocidental desde a queda de Roma em 476. E como é bela a Catedral de Aachen, por fora mas sobretudo por dentro, com a chamada Capela Palatina de forma octogonal. Esta imponente igreja, incluída logo na primeira lista de Património Cultural da Humanidade distinguido em 1978 pela UNESCO, foi durante séculos o edifício mais alto a norte dos Alpes. E até ao século XVI a Catedral de Aachen testemunhou a coroação de mais de meia centena de reis e rainhas alemães, sinal do duradouro peso simbólico de Carlos Magno, Karl der Grosse para os alemães.
Os franceses chamam-lhe Charlemagne e também o reivindicam como seu, pois os carolíngeos são uma das dinastias francas que governaram o país depois do fim do Império Romano. Aliás, há mesmo quem considere Carlos Magno o "pai da Europa", por os seus domínios se terem estendido por vários países, incluindo até porções da Itália e da Espanha. É pois mais do que um monarca alemão quem repousa no túmulo dourado junto do altar principal da Catedral de Aachen, perto de outro túmulo cheio de história, o de Otão III, imperador que por volta do ano 1000 ordenou que lhe mostrassem as ossadas de Carlos Magno. Estas chegaram a estar escondidas no interior do templo, para evitar pilhagens por invasores como os vikings.
Depois da visita à Catedral, que se manteve católica mesmo depois da Reforma protestante no século XVI liderada por Martinho Lutero, é obrigatório passar uma ou duas horas no chamado Tesouro, mesmo ao lado, onde se exibem pinturas, esculturas e jóias ligadas a Carlos Magno. E também relíquias, não só do imperador como de Jesus Cristo, como é o caso de um cordão que lhe terá pertencido. Mas como tudo em Aachen, Carlos Magno é a estrela até nesta questão das relíquias, como o exemplifica a peça dourada em forma de braço que contém o cúbito e o rádio do imperador. Impressionante mesmo é o busto em ouro de Carlos Magno que contém um pedaço do seu crânio. E para relembrar a vastidão dos domínios imperiais, esse busto é decorado tanto com a águia germânica como com a flor de lis que simbolizou durante séculos a monarquia francesa.
Depois de uma manhã passada na Catedral e no Tesouro, numa verdadeira aula de história, é obrigatório um passeio pelas ruas do pequeno mas muito bem cuidado centro histórico de Aachen. A não perder a praça onde fica a Rathaus, o edifício da câmara municipal. E também se recomenda uma ida ao teatro da cidade. E se são muitas as pastelarias com montras a exibir deliciosos bolos regionais, para almoço uma boa solução é um daqueles restaurantes típicos de salsichas e cerveja, como o Hanswurst, que até tem mesas cá fora com vista privilegiada para a Catedral, desde que não esteja a chover como neste início de abril. Com sorte, num dia de sol, alguém estará na praça a tocar música clássica, ajudando a criar o ambiente acolhedor que associamos às cidades alemãs e com toda a razão, sobretudo às de dimensão mais modesta, como Aachen, que terá hoje uns 250 mil habitantes. Para os amantes do jogo, há ainda a hipótese de um salto mais ou menos demorado ao casino local, que beneficia de as fronteiras alemã, belga e holandesa confluírem a alguns quilómetros da cidade, o que facilita a vinda de muitos estrangeiros, e nem todos, admita-se, procurando Carlos Magno como atração principal.
Para os amantes de história, a tarde, porém, é para passear de novo na pista de Carlos Magno, pois desde 2014 o Centre Charlemagne, museu dedicado ao imperador que nasceu e morreu em Aachen (748?-814), tem instalações modernas onde se mostra a história da cidade e sobretudo a importância e o legado de Carlos Magno. Tudo associando peças museológicas a materiais audiovisuais que tornam aliciante a visita, tanto para adultos como para crianças. É um extraordinário complemento à visita à Catedral e ao Tesouro, pois tudo o que foi antes visto é agora bem explicado. Destaque para uma sequência de imagens numa parede onde a figura de Carlos Magno se vai esbatendo para ser substituída sucessivamente por Carlos V, Napoleão Bonaparte e finalmente pelo kaiser Guilherme II da Alemanha, mostrando como ao longo da história europeia vários foram aqueles que nele se inspiraram como modelo de imperador.
leonidio.ferreira@dn.pt