Um artista plástico entre os skaters de Lisboa
A parede junto à qual o artista Miguel Faro se deixou fotografar para esta página é um gabinete de curiosidade e um resumo do seu percurso. Da esquerda para a direita, no sentido dos ponteiros do relógio, uma imagem do primeiro vídeo, de skate e explorando os limites do corpo e sistemas duais, um desenho feito por um elemento do grupo de skaters da Praça da Figueira, em Lisboa, a lixa do antigo skate, a capa do disco de uma banda austríaca que o apaixonou e as três câmaras VX1000, as preferidas da cultura skate.
Miguel Faro é skater e o skate - a sua estética e ética - tem sido um projeto de longo prazo ao lado de um grupo que se reúne diariamente no coração de Lisboa e se procura manter à margem da "indústria" e daqueles que olham o skate como desporto. Abre a gaveta atrás de si, deixando ver dezenas de cassetes, etiquetadas. São "200 horas de filmagens" usando uma câmara que não se fabrica há mais de uma década, e que ganhou estatuto de culto. Não é por acaso que Miguel usou uma imagem de uma perna com a câmara tatuada. É algo que existe no mundo inteiro. "Já passei semanas a repará-las." Explica: "Dificilmente a linguagem da publicidade ia usar a VX1000, porque tem vinheta, não tem boa qualidade."
Foi da proximidade com este grupo - Djzebenzas - que saiu o filme (e performance) Downhill, uma descida do Parque Eduardo VII ao Rossio, em que o artista, de skate, acompanha outros skaters. "Antes de ver o que tinha gravado, percebi que tinha participado numa coisa brutal. É o resultado de dois ou três anos em que nós andamos a fazer [skate] juntos. Ao contrário do primeiro filme, um vídeo de skate que mostrei na Praça da Figueira, muito editado, numa altura em que se filma tudo para pôr no Instagram, eu adorei este por ser um só take de 12 minutos, em que vês uma liberdade muito grande."
Mostrado no Bregas, uma iniciativa que acontece no ateliê dos artistas João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, esteve em competição no festival DocLisboa em 2016 e foi exibido neste ano, como instalação (em dupla projeção), na exposição O Que Eu Sou no MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em março deste ano.
O caminho que trouxe Miguel Faro (Viseu, 1978) às artes plásticas começou no curso de Física no Instituto Superior Técnico. Mudou-se para Arquitetura e daí para o curso de Arte e Multimédia da Escola Superior de Belas-Artes. Lembra-se do dia em que decidiu mudar de curso. "Propuseram-nos fazer uma pista de gelo junto ao rio, eu desenhei um barco." Quando lhe pediram para defender o trabalho, evocou Didier Fiúza Faustino, "a quem os arquitetos chamam artista e os artista chamam arquiteto". Os professores, que o passaram, ficaram a discutir o assunto enquanto ele foi à secretaria saber o que tinha de fazer para ir para Belas Artes. Fez dois anos deste curso, sem terminar. "Comecei a ter exposições. Mas tenho pena, tive professores mesmo bons".
O corpo é um tema recorrente nos trabalhos de Miguel. Mas há mais, explica o artista. "Eu tenho de me apaixonar." Abre uma nova pasta no computador para mostrar o que está a fazer com uma banda austríaca que conheceu nos anos da crise. "Eles vieram para cá gravar um disco em analógico. Eu queria fazer umas experiências em vídeo, pedi para ficar com eles uma semana e, quando me dei conta, estava a filmá-los e fiquei quatro meses. Filmava planos deles, de cinco, seis minutos, a não fazer nada. Fiquei fascinado com a relação deles e do corpo deles com o que estavam a fazer. É um bocado voyeurista. Houve uma altura em que as filmagens me começaram a dizer qualquer coisa e o trabalho começa a ficar feito", conta.