"Ultraje!" Alguns (melhor, algumas) detestaram a escolha
Até ao fim, António Guterres teve de enfrentar uma campanha que defendia a necessidade de eleger uma mulher como secretária-geral das Nações Unidas - depois de oito homens, era chegada a altura de eleger uma secretária-geral. E foi deste campo que veio ontem a reação mais violenta à escolha do antigo primeiro-ministro português para sucessor de Ban Ki-moon.
O movimento Campanha para Eleger Uma Mulher Secretária-Geral da ONU" ironizou com "o anúncio" feito pelo Conselho de Segurança da ONU. "Rostos sorridentes" escolheram "um homem para secretário-geral", o que "mais uma vez é um desastre para a igualdade de direitos e igualdade de género".
Afinal - argumentou este movimento, que no seu site destaca Kristalina Georgieva como "mulher da semana" -, "é injusto quer para as mulheres e para a Europa Oriental e representa os acordos de bastidores habituais que ainda prevalecem na ONU". E concluiu o movimento: "Permaneciam sete candidatas mulheres na corrida e no final parece que elas nunca foram seriamente consideradas. Isto é um ultraje!"
O Center for Women"s Global Leadership, um centro académico da Rutgers, a Universidade Estatal de Nova Jérsia, fez saber na sua conta do Twitter que "o próximo secretário-geral não é uma mulher, mas vamos ter de garantir que ele é feminista".
Algumas das mulheres candidatas foram das primeiras a saudar o português pela sua escolha. A antiga primeira-ministra neozelandesa Helen Clark felicitou Guterres dizendo que se trata do "vencedor claro" nesta seleção e recordando que os dois se conheceram "como primeiros-ministros" e serviram "juntos nas Nações Unidas", ela que foi diretora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Também a búlgara diretora da UNESCO, Irina Bokova (preterida há dias como candidata pelo seu próprio governo) dirigiu "as mais sinceras felicitações" ao português para se mostrar "mais do que confiante que ele será um excelente secretário-geral".
Já a candidata de última hora, a comissária europeia Kristalina Georgieva - que teve o apoio pouco discreto da Comissão Europeia, que lhe deu licença sem vencimento para avançar com a candidatura -, deixou também as suas felicitações para lhe desejar depois "a melhor sorte a implementar uma agenda ambiciosa para a ONU.
O oitavo lugar de Georgieva talvez tenha abalado as convicções da própria Comissão Europeia, que recusou um comentário imediato à escolha de Guterres. "Não, neste momento não", respondeu à agência Lusa um porta-voz da Comissão Juncker. O próprio presidente da CE, na sua conta do Twitter, exultava com o facto de a "União Europeia ser capaz de grandes feitos quando sabe conjugar as suas energias e forças". Mas o texto de Jean-Claude Juncker refere-se à assinatura do Acordo de Paris, sobre as alterações climáticas.
Elogios vindos da Europa
Quem se manifestou muito satisfeita pela escolha foi a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, que revelou na sua conta do Twitter que já tinha felicitado Guterres, que este é "um bom amigo, um homem de visão, coração e ação". E apontou que "a cooperação UE-ONU vai ficar ainda mais forte".
Também Martin Schulz, o socialista que preside ao Parlamento Europeu, foi outro entusiasta na sua conta do Twitter: "Ele será um sensacional secretário-geral das Nações Unidas. Um orgulho para a Europa."
Carlos Moedas usou a mesma rede social para felicitar "um dos homens mais impressionantes" que já conheceu. Ao DN, o comissário europeu recusou comentar o silêncio oficial da Comissão Europeia, justificando que estava a reagir a título pessoal e preferindo sublinhar o "grande orgulho" que sente por ver Guterres - que "é um português extraordinário" - chegar ao cargo de secretário-geral da ONU. "É único e é um orgulho. Esta é uma oportunidade única."
Moedas defendeu que, "pela sua inteligência, pelo que já conhece das Nações Unidas", se pode esperar de Guterres "que seja um líder muito forte" e que "vai certamente conseguir uma fase de afirmação mais forte das Nações Unidas".
Na corrida à liderança da ONU, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apelidou-o de "o melhor de todos nós". Ontem, na primeira reação à notícia, já depois de ter telefonado a António Guterres, o Chefe do Estado sublinhou, citado pela Lusa, que "aqui é o melhor a ser escolhido. E isso é muito bom para o mundo, para as Nações Unidas e para Portugal.
Para Marcelo, o antigo primeiro-ministro é um candidato "excecional" e sem querer ser "patrioteiro, apenas patriota", defendeu que "tudo aquilo que prestigia Portugal lá fora é importante para Portugal".
Consenso da direita à esquerda
António Costa entregou a chave do mérito nas mãos do seu camarada socialista. "O mérito óbvio e primeiro é do engenheiro António Guterres, que ao longo de toda sua vida, quer como primeiro-ministro, quer ao longo de dez anos como alto-comissário para os Refugiados, quer neste longo processo de seleção, revelou ser a pessoa mais bem colocada para exercer funções como secretário-geral das Nações Unidas", sublinhou ontem o primeiro-ministro.
O largo consenso que a candidatura obteve junto das forças partidárias portuguesas traduziu-se nas reações de júbilo registadas ontem da esquerda à direita. "É uma boa notícia, uma notícia que nos deve alegrar", defendeu Catarina Martins. E justificou-se: "É uma boa notícia desde logo para as Nações Unidas, que conseguiram mostrar que são imunes a manobras mais ou menos estranhas", disse, citada pela Lusa, numa alusão à candidatura da búlgara Kristalina Georgieva.
Passos Coelho notou que "é [um facto] histórico para Portugal, é a primeira vez que um português terá este lugar tão relevante", para logo incluir o governo nas suas felicitações pelo "resultado de júbilo" para o país. "Quero publicamente expressar as congratulações do PSD" ao executivo, "que teve relevância em todo o processo", votos que estendeu à diplomacia portuguesa.
Assunção Cristas sublinhou também o trabalho diplomático - e de Guterres. "É em primeiro lugar uma vitória dele, pelo seu mérito, pelo seu percurso, pelo trabalho que desenvolveu também na preparação desta candidatura e que a todos também impressionou", disse a presidente do CDS, acrescentando uma "palavra de parabéns também para a diplomacia portuguesa, que se empenhou e também terá feito certamente a diferença".
Ângelo Alves, dirigente do PCP, considerou que foi dado "um passo importante e quase decisivo" para a a escolha de Guterres, mas espera a sua nomeação para comunicar uma posição definitiva.
Quem também não faltou à chamada foi o Benfica. O clube publicou na sua conta do Twitter uma foto de Guterres a segurar uma camisola encarnada com o n.º 12 e o seu nome estampado. O jogo agora será outro.