Os UHF celebram quatro décadas de carreira e encerram o ano a festejar com os fãs, com dois concertos em Lisboa e no Porto e a reedição de três "discos perdidos". "É uma marca da qual poucas bandas se podem gabar em Portugal e no mundo", realça o líder e fundador, António Manuel Ribeiro, enquanto recorda o percurso dos UHF desde os seus primórdios. Foi a 18 de novembro de 1978, numa discoteca chamada Browns, ali para os lados do bairro de Alvalade, em Lisboa, que os UHF subiram pela primeira vez a um palco. Era o concretizar de um sonho para o jovem quarteto almadense composto por Américo Manuel (bateria), Renato Gomes (guitarra), Carlos Peres (baixo) e António Manuel Ribeiro (guitarra e voz), o único dos membros originais que se mantém na banda. "Os UHF tornaram-se uma espécie de alter ego", confessa o músico de 64 anos, que quatro décadas depois dessa primeira atuação comemora agora este aniversário redondo com dois concertos muito especiais - o primeiro foi ontem, na Aula Magna, Lisboa, repetindo-se no próximo sábado, 29, na Casa da Música, Porto - e a reedição dos três "álbuns perdidos" do tempo da editora Rádio Triunfo: Persona Non Grata (1982), Ares e Bares de Fronteira (1983) e Ao Vivo em Almada. No Jogo da Noite (1985). "Foi o melhor presente que podia receber", assumiu António Manuel Ribeiro ao DN, antes de abrir o álbum de memórias da banda que lidera há 40 anos, com a qual deu início ao denominado "boom do rock português", ao som de hinos como Cavalos de Corrida e Rua do Carmo..Quando os UHF começaram a tocar ainda nem havia bandas com 40 anos no universo do rock. Qual é a sensação de atingir esta marca?.Não é um feito fácil, nem existia em Portugal nem no resto do mundo. Assinalámos essa data de 18 de novembro de 1978 como sendo a do nosso início, por ter sido nesse dia que demos o primeiro espetáculo, mas nós já existíamos como banda há cerca de um ano..Como é que era ser uma banda rock nesses tempos do pós-25 de Abril?.Tivemos muitas dificuldades. Tinham passado apenas quatro anos sobre o 25 de Abril e estávamos em plena crise financeira, a primeira das crises [risos]. Houve cortes em tudo e os instrumentos musicais passaram a ser taxados como um produto de luxo. Além de haver poucos à venda, nós também não tínhamos dinheiro para os comprar, o que dá bem para ver o cenário em que surgimos. Já era muito bom conseguirmos aguentar a sala de ensaios e não sermos corridos por causa do barulho, quanto mais ter uma carreira..Como é que era o rock nessa altura?.Havia algumas bandas de pop rock, mas que foi esbatido pelo 25 de Abril, quando a chamada música de intervenção tomou por completo conta de tudo. Até o fado, que hoje é Património Imaterial da Humanidade, foi considerado à época uma música reacionária, vejam bem como as coisas mudam. A canção ligeira, entretanto apelidada de nacional-cançonetismo, também estava em completo declínio, e é nesse cair de muralhas que nós surgimos. Na altura, apenas existiam em Almada os chamados grupos de baile, que faziam versões de bandas estrangeiras, porque ninguém se atrevia a escrever originais. Tocavam muito bem e costumava ir ver essas bandas às festas do Liceu de Almada. Ia para dançar, claro, mas especialmente para ver os instrumentos, aquelas guitarras Gibson e as baterias Rogers, que eram algo de fantástico e muito difícil de adquirir..E como é que foram recebidos no vosso meio? Almada não era propriamente Londres ou Nova Iorque....Com estranheza e até alguma animosidade, foi até por essa razão que passámos a ir ensaiar para a Costa..Foi também por isso que deram o vosso primeiro concerto em Lisboa?.Sim, na discoteca Browns, ali para os lados de Alvalade, nesse tal dia 18 de novembro, porque em Almada não éramos assim tão bem-vistos [risos]. Especialmente porque, segundo os cânones da época, fazíamos uma música pouco recomendável, com guitarras elétricas e bateria..Almada era um local assim tão conservador?.Sim, porque os revolucionários, quando chegam ao poder, não demoram muito a tornar-se conservadores. Na altura defendia-se que a música portuguesa só devia ter adufes e violas braguesas. Hoje brinco muito com isso, até porque sempre disse que os meus grandes mestres, na escrita de canções, foram os cantores de intervenção, mas havia uma censura fortíssima a quem fugisse destes cânones. Bateria e guitarras elétricas? Isso era imperialismo, cheguei a ouvir isto! Mas é normal, porque estávamos todos a aprender a viver em democracia....Quando é que começou a bola de neve em que os UHF se tornaram?.Tento sempre não criar uma fantasia a esse respeito. Acima de tudo, o que havia era uma grande convicção, dentro do grupo, de que seria possível chegarmos longe, apesar de não fazermos grandes planos. Na altura eu era casado, já tinha dois filhos e, além de estudar Direito na universidade, também trabalhava na Câmara de Almada e no jornal Record. E no meio disto tudo ainda consegui arranjar disponibilidade para ter uma banda. Isso é que ainda hoje me surpreende [risos]..Como é que os UHF se juntaram?."Éramos quatro sujeitos completamente diferentes, que não se conheciam de lado nenhum e foi a música que nos juntou. Gostávamos de música e tínhamos instrumentos. Depois, o que realmente nos uniu foram as dificuldades. A partir daí conseguimos formar um núcleo com vontade de fazer coisas, que começou a juntar mais pessoas à sua volta. E, ao mesmo tempo, houve algo muito importante a acontecer, quase em simultâneo, o movimento punk, que cortou por completo aquela ideia do rock sinfónico, muito em voga nos anos 1970, e nos mostrou ser possível fazer música sem dinheiro. Até então, qualquer miúdo que olhasse para o aparato de bandas comos os Genesis ou os Yes desistia logo do sonho de ser músico [risos]."
Os UHF celebram quatro décadas de carreira e encerram o ano a festejar com os fãs, com dois concertos em Lisboa e no Porto e a reedição de três "discos perdidos". "É uma marca da qual poucas bandas se podem gabar em Portugal e no mundo", realça o líder e fundador, António Manuel Ribeiro, enquanto recorda o percurso dos UHF desde os seus primórdios. Foi a 18 de novembro de 1978, numa discoteca chamada Browns, ali para os lados do bairro de Alvalade, em Lisboa, que os UHF subiram pela primeira vez a um palco. Era o concretizar de um sonho para o jovem quarteto almadense composto por Américo Manuel (bateria), Renato Gomes (guitarra), Carlos Peres (baixo) e António Manuel Ribeiro (guitarra e voz), o único dos membros originais que se mantém na banda. "Os UHF tornaram-se uma espécie de alter ego", confessa o músico de 64 anos, que quatro décadas depois dessa primeira atuação comemora agora este aniversário redondo com dois concertos muito especiais - o primeiro foi ontem, na Aula Magna, Lisboa, repetindo-se no próximo sábado, 29, na Casa da Música, Porto - e a reedição dos três "álbuns perdidos" do tempo da editora Rádio Triunfo: Persona Non Grata (1982), Ares e Bares de Fronteira (1983) e Ao Vivo em Almada. No Jogo da Noite (1985). "Foi o melhor presente que podia receber", assumiu António Manuel Ribeiro ao DN, antes de abrir o álbum de memórias da banda que lidera há 40 anos, com a qual deu início ao denominado "boom do rock português", ao som de hinos como Cavalos de Corrida e Rua do Carmo..Quando os UHF começaram a tocar ainda nem havia bandas com 40 anos no universo do rock. Qual é a sensação de atingir esta marca?.Não é um feito fácil, nem existia em Portugal nem no resto do mundo. Assinalámos essa data de 18 de novembro de 1978 como sendo a do nosso início, por ter sido nesse dia que demos o primeiro espetáculo, mas nós já existíamos como banda há cerca de um ano..Como é que era ser uma banda rock nesses tempos do pós-25 de Abril?.Tivemos muitas dificuldades. Tinham passado apenas quatro anos sobre o 25 de Abril e estávamos em plena crise financeira, a primeira das crises [risos]. Houve cortes em tudo e os instrumentos musicais passaram a ser taxados como um produto de luxo. Além de haver poucos à venda, nós também não tínhamos dinheiro para os comprar, o que dá bem para ver o cenário em que surgimos. Já era muito bom conseguirmos aguentar a sala de ensaios e não sermos corridos por causa do barulho, quanto mais ter uma carreira..Como é que era o rock nessa altura?.Havia algumas bandas de pop rock, mas que foi esbatido pelo 25 de Abril, quando a chamada música de intervenção tomou por completo conta de tudo. Até o fado, que hoje é Património Imaterial da Humanidade, foi considerado à época uma música reacionária, vejam bem como as coisas mudam. A canção ligeira, entretanto apelidada de nacional-cançonetismo, também estava em completo declínio, e é nesse cair de muralhas que nós surgimos. Na altura, apenas existiam em Almada os chamados grupos de baile, que faziam versões de bandas estrangeiras, porque ninguém se atrevia a escrever originais. Tocavam muito bem e costumava ir ver essas bandas às festas do Liceu de Almada. Ia para dançar, claro, mas especialmente para ver os instrumentos, aquelas guitarras Gibson e as baterias Rogers, que eram algo de fantástico e muito difícil de adquirir..E como é que foram recebidos no vosso meio? Almada não era propriamente Londres ou Nova Iorque....Com estranheza e até alguma animosidade, foi até por essa razão que passámos a ir ensaiar para a Costa..Foi também por isso que deram o vosso primeiro concerto em Lisboa?.Sim, na discoteca Browns, ali para os lados de Alvalade, nesse tal dia 18 de novembro, porque em Almada não éramos assim tão bem-vistos [risos]. Especialmente porque, segundo os cânones da época, fazíamos uma música pouco recomendável, com guitarras elétricas e bateria..Almada era um local assim tão conservador?.Sim, porque os revolucionários, quando chegam ao poder, não demoram muito a tornar-se conservadores. Na altura defendia-se que a música portuguesa só devia ter adufes e violas braguesas. Hoje brinco muito com isso, até porque sempre disse que os meus grandes mestres, na escrita de canções, foram os cantores de intervenção, mas havia uma censura fortíssima a quem fugisse destes cânones. Bateria e guitarras elétricas? Isso era imperialismo, cheguei a ouvir isto! Mas é normal, porque estávamos todos a aprender a viver em democracia....Quando é que começou a bola de neve em que os UHF se tornaram?.Tento sempre não criar uma fantasia a esse respeito. Acima de tudo, o que havia era uma grande convicção, dentro do grupo, de que seria possível chegarmos longe, apesar de não fazermos grandes planos. Na altura eu era casado, já tinha dois filhos e, além de estudar Direito na universidade, também trabalhava na Câmara de Almada e no jornal Record. E no meio disto tudo ainda consegui arranjar disponibilidade para ter uma banda. Isso é que ainda hoje me surpreende [risos]..Como é que os UHF se juntaram?."Éramos quatro sujeitos completamente diferentes, que não se conheciam de lado nenhum e foi a música que nos juntou. Gostávamos de música e tínhamos instrumentos. Depois, o que realmente nos uniu foram as dificuldades. A partir daí conseguimos formar um núcleo com vontade de fazer coisas, que começou a juntar mais pessoas à sua volta. E, ao mesmo tempo, houve algo muito importante a acontecer, quase em simultâneo, o movimento punk, que cortou por completo aquela ideia do rock sinfónico, muito em voga nos anos 1970, e nos mostrou ser possível fazer música sem dinheiro. Até então, qualquer miúdo que olhasse para o aparato de bandas comos os Genesis ou os Yes desistia logo do sonho de ser músico [risos]."