Ucrânia, um país de futuro incerto, em que o favorito é um comediante

35 milhões de ucranianos votam neste domingo para escolher um novo presidente. O comediante Volodymyr Zelenskiy, protagonista do programa televisivo <em>O Servidor do Povo</em>, é o favorito. Em risco de perder a ajuda financeira do FMI, com uma guerra no leste, a Ucrânia é um país de futuro incerto.
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A Ucrânia é um país de futuro incerto. Dilacerada pelos combates no leste entre as forças do governo e os rebeldes pró-russos, com um grave problema de integridade territorial por resolver depois de a Rússia ter anexado a Crimeia e com múltiplas denúncias de ataques de piratas informáticos russos, é também um país pressionado pelo FMI a fazer reformas para receber mais dinheiro. Bola de pingue-pongue entre uma Rússia que quer recuperar a sua influência no mundo, uns EUA que estão preocupados em erguer muros contra mexicanos e apoiar israelitas contra palestinianos e uma União Europeia a braços com a crise do Brexit, é também um país cansado. O que explica, em parte, o candidato que lidera as sondagens para as presidenciais deste domingo, nas quais são chamados a participar 35 milhões de eleitores.

Volodymyr Zelenskiy, comediante de 41 anos, surge em primeiro lugar nas intenções de voto, com 20,9%, segundo uma sondagem do Kiev International Instituteof Sociology (KIIS), realizada junto de 1600 pessoas, entre os dias 20 e 26 de março, exceto na Crimeia. Os dois outros candidatos de peso que poderão passar com ele à segunda volta, a 21 de abril, são o atual presidente ucraniano Petro Porochenkoe a ex-primeira-ministra IuliaTimochenko. O primeiro surge com 13,7% nas intenções de voto, a segunda com 9,7%.

"A revolução da Praça Maidanem 2014 falhou em trazer novos líderes para o poder e o povo está farto das elites pós-Maidane os seus intermináveis casos de corrupção. Em resultado disso, os ucranianos estão a apoiar um homem sem passado político - efetivamente o candidato do contra tudo e contra todos", escreve o jornalista KonstantinShorkin, num artigo publicado no sitedo thinktank Carnegie Moscow Center. O autor assume também a existência da teoria de que a candidatura de Zelenskiyse enquadra numa conspiração liderada pelo bilionário Igor Kolomoisky para prejudicar os restantes candidatos.

Kolomoisky, que é dono do canal onde Zelenskiyfaz o seu programa de comédia em que finge ser um presidente justo para todos os ucranianos, nega estar a financiar a campanha de Zelenskiye até diz preferir apoiar IuliaTimochenko. Nunca Porochenko, claro, seu declarado inimigo depois de ter nacionalizado o PrivatBank quando este colapsou em 2017. Apoiantes do atual presidente chegaram a acusar Zelenskiyde ajudar Kolomoiskya transferir 41 milhões de dólares do PrivatBank através de empresas suas mas controladas pelo oligarca. O Servidor do Povo, assim se chama o programa de Zelenskiy, deu origem a um partido político com o mesmo nome, pelo qual é candidato.

Timochenko, de 58 anos, tenta pela terceira vez chegar à presidência da Ucrânia. A mulher da trança perdeu em 2010 para o pró-russo Viktor Ianukovitche em 2014 para o pró-ocidental Porochenko. O atual chefe do Estado, de 53 anos, é para ela o seu principal rival, não Zelenskiy. Timochenko, que pode perder votos pelo facto de nos boletins entre os 39 candidatos a presidente existir outro Timochenko, o candidato YuriyTimochenko, considera que Porochenkoé corrupto. "Debaixo de água há uma pirâmide de corrupção construída nos últimos cinco anos. Se ganharmos, este ambiente criminoso e de corrupção será levado à justiça", declarou a ex-chefe do governo, que nos anos 1990 ficou conhecida como "princesa do gás" pelos lucrativos negócios que fez enquanto líder da maior empresa de energia da Ucrânia.

Os esforços anticorrupção de Porochenko foram travados, no mês passado, por uma decisão do Tribunal Constitucional, contra a intenção de criminalizar o enriquecimento ilícito por parte de detentores de cargos públicos. A decisão é vinculativa e não é passível de recurso. Pode comprometer tanto o "plano de liberalização de vistos" prometido pela UE como o pagamento do resto do resgate concedido pelo FMI para ajudar a Ucrânia no pós-anexação da Crimeia. A luta contra a corrupção foi uma das condições para o pacote de ajuda de 17,5 mil milhões de dólares por parte do FMI à Ucrânia.

"Se os sistemáticos problemas na Ucrânia não forem resolvidos e os casos de enriquecimento ilícito não forem abandonados, muitos dos esforços do país contra a corrupção terão sido em vão. Os responsáveis acusados de corrupção devem ser julgados e o Estado de direito estabelecido", afirmou Delia Ferreira Rubio, presidente da Transparency International.

Citados pela Reuters, diplomatas ocidentais em Kiev temem pelo desfecho destas eleições. "Sabemos o que teremos com Porochenko, achamos que sabemos o que podemos ter com Timochenko, mas com Zelenskiy não temos a mais pequena ideia. Todos são um fracasso", disseram, a coberto do anonimato.

Entre os 35 milhões de ucranianos que vão votar estão os imigrantes que vivem em Portugal. A comunidade ucraniana é o terceiro maior grupo estrangeiro no país. Em 2002, chegaram a ser a maior comunidade imigrante em Portugal, com 62 448 ucranianos a residir em Portugal. Entre 2004 e 2006 esse número baixou para os 41 530. Em 2018, segundo o SEF, eram 32 453 os ucranianos a residir em Portugal.

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