TV exibe cada vez mais novelas, mas é bola que os portugueses veem

Há 20 anos, a bola mal conseguia fazer sombra às novelas, séries e talk shows nas tabelas dos mais vistos. Hoje, a realidade é inversa e todo o pouco futebol emitido em sinal aberto é rei.
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Na próxima segunda-feira, 25 de novembro, é plausível que a televisão generalista portuguesa atinja um novo recorde. RTP1, SIC e TVI vão emitir, por junto, 16 episódios de novelas ou séries, das quais apenas 25% são inéditos. Tudo o resto são repetições ou importações do Brasil.

Queluz de Baixo prepara-se para ter, sozinha, nove novelas no ar, das quais apenas duas apresentam episódios novos. A estas juntam-me, atualmente, cinco da SIC - entre episódios novos e repetidos, portuguesas e brasileiras - e mais duas da RTP, também re-emissões de séries antigas.

A aposta na ficção, solução de poupança devido à diluição de orçamentos em projetos de longa duração (ficando, assim, mais baratos para os canais), seria mais facilmente compreensível em 1999, ano em que a tabela dos programas mais vistos dos doze meses foi composta, sobretudo, por tramas entretecidas deste e do outro lado do Atlântico. Desde aí e até hoje, o futebol tomou de assalto os tops de televisão anuais, estando a fazer o pleno em 2019, segundo dados consolidados pela Comissão de Análise de Estudos de Meios (CAEM)/Marktest até outubro último.

Preferências e mudanças nos gostos e nos comandos dos portugueses cuja análise chega no Dia Mundial da Televisão, que se asinala esta quinta-feira, 21 de novembro.

20 anos de TV: Novelas, seleção e Liga das Nações

O relato da imigração italiana a chegar ao Brasil, protagonizado por Ana Paula Arósio e Thiago Lacerda, na novela Terra Nostra (SIC), ganhou o programa do ano em 1999. Ao contabilizar dois milhões 692 mil portugueses sentados diante do sofá, conseguiu mais 22 mil pessoas que o segundo programa mais visto desse mesmo período: Torre de Babel (novela da Globo com Cláudia Raia e Maitê Proença).

Henrique Mendes e o seu icónico talk show Ponto de Encontro conquistou o terceiro lugar de 1999, com dois milhões e 598 mil portugueses. O resto da tabela dos dez mais vistos foi feita de humor com Camilo de Oliveira e Malucos do Riso, ainda mais novelas e séries nacionais como Médico de Família. O décimo lugar ficou nas mãos do futebol, com um jogo da Taça UEFA: crê-se que um Benfica-Celtic de Vigo que acabou no empate a uma bola.

Dez anos depois, em 2009, e a realidade tinha-se invertido. O primeiro lugar foi ocupado pelo jogo da segunda mão entre Bósnia e Portugal, na qualificação para África do Sul. O célebre golo de Raul Meireles - bem como todo o resto do jogo - foi visto por dois milhões 781 mil pessoas. Contas feitas, em dez programas, sete foram sobre bola: cinco deles em torno da seleção nacional na qualificação para o Mundial de África do Sul, uma prova da Liga dos Campeões e uma outra da Carlsberg Cup.

O documentário Maddie: A Verdade da Mentira (TV) segurou a entrada para a sexta posição, com mais de dois milhões de espectadores, de uma tabela cujo sétimo e décimo lugares foram ocupados, respetivamente, por um episódio de novela Deixa Que Te Leve e Feitiço de Amor, exibidas por Queluz de Baixo, à data campeã incontestável de audiências.

As contas deste ano, fechadas até outubro, barram tudo o que se passa fora das quatro linhas. A liderança - até agora - repousa nas mãos de uma estreia: a primeira edição da Liga das Nações, com a vitória da equipa de Fernando Santos frente à Holanda.

Curiosamente, o jogo em si, exibido na RTP1, é o segundo programa mais visto de 2019, com dois milhões e 670 mil pessoas sintonizadas. O lugar dianteiro da tabela está atribuído ao pós-match desse mesmo encontro, somando perto de dois milhões e 700 mil pessoas durante 19 minutos de emissão. A pergunta é irresistível: será que quase 1/3 da população nacional ficou mesmo a ver a análise do encontro ou foi celebrar a vitória e esqueceu-se de desligar a televisão?

Os oito primeiros lugares restantes de 2019 juntam provas de qualificação para o Euro 2020, que vai decorrer em vários países da Europa, a Taça da Liga, a Taça de Portugal e um jogo da Liga dos Campeões.

Toda a (pouca) bola que há na generalista é rainha

Olhando para a evolução, os gostos dos espectadores têm vindo a uniformizar-se: só o futebol vence. E tudo isto mesmo numa conjuntura em que a maior parte dele está no Cabo e em que, para lá do pacote, é preciso um pagamento extra para ver os canais que transmitem os múltiplos campeonatos e jogos das equipas realizados "em casa".

O pouco futebol que chega à antena aberta supera tudo, mas em 1999, o verde do relvado - e até mesmo aquele que foi pisado pela seleção nacional - dificilmente furou a tabela de uma plenipotenciária SIC que, à data, sozinha, fechou o ano com uma média de 45,5% de quota de mercado (50% no horário nobre).

Por comparação e duas décadas depois, o último mês de outubro foi fechado com RTP1, a líder SIC e a TVI a terem, juntas, 47,9%. Se somarmos a RTP2, o share médio dos canais ficou-se pelos 49,3%. Ou seja, menos de uma em cada duas pessoas viu canais abertos. A restante quota de mercado dispersou-se pelo Cabo e por usos diversificados da televisão como jogos, internet, plataformas de streaming.

Análise de audiências só chegou no final do século

Apesar de haver televisão em Portugal desde 1957, a recolha da dados de audiências só surgiu de forma mais sistematizada já na década de 90 do século passado, com o arranque dos canais privados em Portugal: SIC estreou-se a 6 de outubro de 1992 e a TVI a 20 de fevereiro de 1993. Entre esse momento e 1998 foram produzidos dados, mas a metodologia era distinta.

Recuando da década de 80 até ao início da TV, há apenas, segundo a RTP, relatos das mega-operações especiais feitas pela estação pública. Tal não comprova, porém, que tenham sido efetivamente as mais vistas. A única exceção que cumpra ambos requisitos talvez seja a transmissão da chegada do homem à Lua, que este ano assinalou meio século. Estima-se que as 18 horas de emissão exibidas na RTP, com o ponto alto às 3.56 horas da manhã de segunda-feira, 21 de julho de 1969, tenham sido vistas por dois milhões de portugueses, o que representava menos de 1/4 da população. Os televisores eram, também e seguramente, muito menos do que são hoje.

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