Tunísia, por uma "Nova República"!

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Realizar-se-á na próxima segunda-feira 25 referendo à Nova Constituição na Tunísia, que o Presidente (PR) Kais Saied insiste em chamar de "Nova República". Fará também no próximo dia 25, um ano desde que o PR começou a concentrar em si todos os poderes, desde que suspendeu o Parlamento, demitiu o Primeiro-Ministro Hichem Mechichi e nomeou um Governo de Iniciativa Presidencial, sem iniciativa nenhuma e cuja função foi precisamente a de garantir a autogestão durante este período em que a Constituição ficou a pairar sobre uma Tunísia que não teve geringonça que lhe resistisse, fruto da tentacular corrupção que conseguiu fazer a ponte do antigo regime e perdurar no novo. Este é o grande argumento do PR Saied, limpar o país da corrupção à "Hill Street Blues" e pô-lo na ordem, à portuguesa, com um "Ben Ali em cada esquina"!

Por isso mesmo as críticas aos esboços de nova Constituição que têm vindo a debate nos últimos dois meses, cujo híper-presidencialismo proposto, fazem mais deste acto um Plebiscito que um referendo. A tentação da concentração de poderes é compreensível e não trás em si qualquer novidade. Onde Kais Saied falhou na inovação, foi não ter levado avante uma proposta publicada há um mês, na qual a nova república assumiria de facto as maiúsculas e as aspas de "Nova República", ao ver aprovada uma Nova Constituição sem qualquer referência ao Islão, expurgando da "Pequena República dos Professores" a sombra árabo-islâmica que a tem remetido para a prateleira de país árabe, quando agora poderia vestir-se de magrebina, de simplesmente tunisina, inovando de novo, após a Constituição de 2014 ter remetido o religioso para a esfera do Estado, ganhando assim preponderância e controlo sobre imames, muftis e sempre polémicos éditos a propósito de não assuntos, de família e do quotidiano, que de repente se veem no centro do debate nacional, por mera conveniência da agenda religiosa deste ou daquele velho barbudo, que já lá não indo nem com dois viagras, insiste em querer impor aos outros aquilo que ele próprio já não consegue fazer!

A proposta de Nova Constituição a referendar não fazer qualquer referência ao Islão, assumindo-se como magrebina e sobretudo tunisina, seria a mais interessante de todas aos olhos ocidentais, mas também iria destoar daquilo que se pretende, já que um Plebiscito só o é porque se faz para se ganhar. O risco já lá está há precisamente um ano, já que os ímpetos do PR, nas sucessivas medidas que foi tomando, foi projectando o país para cenários do passado próximo, consequentes de janeiro de 2011, período que dividiu a Tunísia no preto-e-branco do islamistas de um lado, laicos do outro e mulheres em tronco nu em cima de carros a avançarem sobre manifestações islamistas, enquanto estes assassinaram pelo menos três "Franciscos Louçã" locais, que constavam de uma lista ainda mais vasta de outros políticos e intelectuais da esquerda mais laica.

Uma Nova Constituição será aprovada em Plebiscito no dia 25, Kais Saied será um dos Presidentes com mais poderes no Mundo, mas não será uma "Nova República" que surgirá deste processo, o que é pena! Porquê? Porque o PR domina o Judicial e ganharia na mesma, fosse qual fosse a proposta apresentada. É pena, porque seria mais importante para o Magrebe que para a própria Tunísia, assumirem-se enquanto magrebinos/as, remetendo os árabes para a minoria que realmente são. Ora aqui fica uma revolução por fazer, sem rua, sem confrontos, só no papel e legitimada pelo Povo!


Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt
Escreve de acordo com a antiga ortografia

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