Tudo o que se sabe sobre os processos do médico do bebé sem rosto

Numa altura em que nenhum dos inquéritos ou processos disciplinares relativos ao caso do bebé que nasceu em Setúbal em 2109, com várias malformações graves, está concluído, o médico Artur Carvalho aposentou-se do SNS.
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Foi o nascimento de Rodrigo com várias malformações graves, como falta de olhos, nariz e parte do crânio, em 7 de outubro de 2019, no Hospital de São Bernardo, do Centro Hospitalar de Setúbal, que colocou o médico Artur Carvalho no centro de acusações de negligência médica. Realizou as ecografias de acompanhamento da gravidez, sem que tivesse detetado ou sinalizado aos pais qualquer problema. O caso desencadeou uma série de inquéritos - incluindo criminais -, suspensões e punições. Mas nenhum - nem a expulsão da Ordem dos Médicos - está concluído definitivamente. Artur Carvalho até podia estar a exercer e aposentou-se, com efeitos a partir de 1 de julho, como médico do Serviço Nacional de Saúde.

Quando nasceu Rodrigo, que ficou conhecido como o bebé sem rosto, o nome de Artur Carvalho já estava associado a mais casos de alegada negligência médica. Com o alarme social e mediático gerado, outras mães surgiram em público a denunciar erros de avaliação pré-parto pelo médico que realizava as ecografias numa unidade privada, a Ecosado, e dirigiu durante mais de 29 anos o serviço de ginecologia/obstetrícia do hospital de Setúbal. Já tinham inclusive decorrido pelo menos dois processos judiciais em que o obstetra foi ilibado.

Em junho passado, na Comissão Parlamentar de Saúde, Maria do Céu Machado, presidente do conselho disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos, disse que existiam 19 processos relativos a Artur Carvalho, o mais antigo dos quais data de 2007. A responsável revelou ainda que, após o nascimento de Rodrigo, deram entrada "várias queixas" de pais que tinham tido filhos há mais de cinco anos. Casos que foram "liminarmente arquivados, pois vez o regulamento diz que se o ato médico foi há mais de cinco anos não dá razão a processo".

Num caso de 2011, o Ministério Público arquivou uma queixa contra Artur Carvalho, numa situação de um bebé que nasceu com deficiências físicas e mentais no Hospital Amadora-Sintra. A mãe apresentou queixa por suspeitas de negligência médica, argumentando que fez ecografias com o obstetra na clínica de Setúbal sem nunca ser detetado qualquer problema.

Outro caso aconteceu em 2007, em Setúbal, com uma mulher de 38 anos. Sentiu dores anormais mas o médico terá prosseguido com um parto normal. Mas o bebé estava com problemas e seguiu-se uma cesariana. A criança nasceu inanimada e acabou por morrer seis meses depois. Houve queixa no MP mas o longo processo judicial acabou em 2017 com a absolvição do médico. A Ordem dos Médicos já tinha considerado em 2008 que foram seguidos os procedimentos adequados por Artur Carvalho e pelo hospital de Setúbal.

Suspensão e expulsão da Ordem

Apesar dos processos, Artur Carvalho - que se licenciou em medicina na Universidade Nova em 1977 e é especialista em ginecologia/obstetrícia, desde 1988 - nunca tinha sido punido e foi com o nascimento de Rodrigo em que obstetra não terá detetado malformações graves no feto durante as ecografias, que houve mobilização geral de condenação e pedido de tomada de medidas. Em causa a regulação do ato médico. Na Ordem dos Médicos estavam abertos cinco processos disciplinares, na sequência de dezenas de queixas efetuadas contra o clínico.

Foi neste contexto que, em outubro de 2019, após as notícias sobre o caso de Rodrigo, o médico comunicou ao bastonário da Ordem que iria suspender a atividade de realização de ecografias na gravidez até à conclusão dos processos em análise no conselho disciplinar. Mas dias depois, a Ordem tomou a decisão de suspender preventivamente Artur Carvalho por seis meses enquanto decorriam os inquéritos.

A Ordem dos Médicos, pelo conselho disciplinar do Sul, propôs em abril de 2020 uma pena de suspensão de cinco anos para o médico obstetra mas, mais tarde, num despacho de acusação, anexou os outros cinco processos contra Artur Carvalho para justificar a sua expulsão do organismo, medida ainda passível de recurso para o conselho superior da Ordem e para os tribunais administrativos.

Assim, o obstetra Artur Carvalho foi punido com a pena máxima prevista nos Estatutos da Ordem dos Médicos, mas o advogado do médico disse em junho que iria recorrer da proposta de expulsão" do Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos o que faz suspender a eficácia da punição até à conclusão de todo o processo.

De resto, a suspensão preventiva de seis meses terminou em abril e o médico até poderia estar a exercer. "O doutor Artur Carvalho só não está a trabalhar porque entende que não o deve fazer", disse o seu advogado Miguel Matias. Após a contestação do médico, a proposta de expulsão poderá ser revista ou confirmada pelo conselho disciplinar.

Neste ponto, fica a saber-se esta quarta-feira que o médico Artur Carvalho "foi apresentado no dia 1 de julho, independentemente dos processos que sobre si suscitam num conjunto de outras entidades", como confirmou a ministra Marta Temido na Comissão de Saúde. "Esta infeliz circunstância mostra as fragilidades do modelo regulatório e há um conjunto de entidades que têm por obrigação melhorá-la e, portanto, essa é a principal lição que eu penso que vale a pena daqui retirar", disse Marta Temido, rejeitando ser um problema do SNS. A ministra disse sentir-se encorajada por "saber que a família do Rodrigo e o Rodrigo, com o sofrimento que possam estar a passar, continuam a ser acompanhados pelo Hospital de Setúbal através dos seus serviços".

O Ministério Público ainda não comunicou resultados dos inquérito em curso após a queixa da mãe de Rodrigo mas pode haver novos factos no processo além da negligência médica. O secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, já explicou que, num processo da ARS de Lisboa, se concluiu pela irregularidade no processo de requisição e faturação dos exames na clínica de Setúbal e que todos os factos foram comunicados ao Ministério Público. "A clínica com quem o SNS tinha convenção não era a mesma onde os mesmos foram realizados e por isso a convenção foi extinta", afirmou António Lacerda Sales.

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