Trindade e Tobago é o país das Américas que mais jihadistas dá ao Estado Islâmico

Foram mais de uma centena a partir deste país das Caraíbas para o califado. O perigo são os que regressam a casa ou os que, não podendo seguir os compatriotas, se radicalizem nas ilhas e ali planeiam eventuais ataques
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Trindade e Tobago é sinónimo de praias de areia branca e mar azul turquesa, de Carnaval ao som dos ritmos afro-caribenhos do calipso ou da soca e da dança limbo, e terra natal do Nobel da Literatura V. S. Naipaul, da cantora Nicki Minaj ou do futebolista Dwight Yorke. Mas o país das duas ilhas, a apenas 11 quilómetros a norte da Venezuela, é também o maior exportador per capita de combatentes para o Estado Islâmico do continente americano. Que, com o desmoronar do califado no Iraque e na Síria, ameaçam regressar às Caraíbas e trazer a luta até casa.

A 17 de fevereiro, o primeiro-ministro de Trindade e Tobago, Keith Rowley, admitiu no Parlamento que existe uma célula do Estado Islâmico nas ilhas. Isto depois de terem sido detidas várias pessoas que planeavam atacar durante as famosas festas de Carnaval. "Existe alguma coisa em Trindade e Tobago que possa ser considerada uma célula do Estado Islâmico?", questionou um deputado da oposição. Rowley respondeu "sim", depois de uma longa explicação.

"É sabido que cidadãos de Trindade e Tobago defendem algumas das doutrinas do Estado Islâmico e que viajaram para áreas de combate no Iraque e na Síria. Muitas pessoas foram intercetadas na Turquia e no Reino Unido, algumas foram devolvidas a Trindade e Tobago", disse o primeiro-ministro. "Algumas estão detidas em países terceiros, por querem juntar-se ao Estado Islâmico. E, de facto, com o seu desmoronamento no Iraque e na Síria, a doutrina espalhou-se para atividades domésticas e por isso temos de estar especialmente preocupados com essas pessoas e a monitorização delas é parte integrante da nossa segurança", explicou.

Rowley não disse contudo de quantas pessoas estava a falar - "não sei se são 63 ou cem" -, lembrando que nem todos os que saíram e regressaram podem ser considerados terroristas. No início de março, o almirante norte-americano Kurt Tidd, responsável pelo Comando Sul dos EUA, revelou que mais de cem membros do Estado Islâmico terão sido recrutados nas ilhas, avisando que é uma situação para a qual têm de estar atentos. No ano passado, as autoridades de Trindade e Tobago falavam em 130 combatentes e famílias que tinham ido para a Síria entre 2012 e 2016, mas alguns especialistas eram ainda mais alarmistas, falando de mais de 400 pessoas que teriam partido.

Um número elevado para um país com 1,2 milhões de habitantes, onde apenas cerca de 5% são muçulmanos. As ilhas, descobertas em 1498 por Colombo, foram colonizadas pelos espanhóis, ficando sob controlo britânico no século XIX (a independência data de 1962). A emancipação dos escravos, em 1834, representou um revés para a indústria açucareira, que se virou entre 1845 e 1917 para a Índia para contratar mão-de-obra. Se os primeiros muçulmanos a chegar eram escravos vindos de África, a partir daí a comunidade cresceu graças aos que partiram do Sudeste Asiático (que hoje ainda são a maioria).

Golpe de Estado em 1990

Mas o que está por detrás do extremismo num dos países com um dos maiores rendimentos per capita da região (o petróleo foi descoberto em 1910 e o ouro negro e o gás representam 80% das exportações)? Trindade e Tobago é, na realidade, o único país do hemisfério ocidental onde já houve uma insurreição islâmica. Em agosto de 1990, rebeldes do Jamaat al-Muslimeen, que se desenvolveu a partir do movimento Black Power nos anos 1970 e inspirado pela Nação do Islão nos EUA, ocuparam o Parlamento da capital, Porto de Espanha. "Alá derrubou o primeiro-ministro", afirmou na televisão o líder do golpe, Yasin Abu Bakr, dizendo que ia acabar com a corrupção, os roubos e as drogas.

Seis dias depois, as autoridades retomavam o controlo. Bakr passou pouco mais de dois anos na prisão, até ser amnistiado. Hoje continua a liderar o movimento cujos membros são na maioria negros e quase todos convertidos. Numa das orações testemunhadas pelo The Guardian, alegou que os países europeus não tinham moral para criticar as decapitações do Estado Islâmico, por causa do uso da guilhotina durante a Revolução Francesa.

Mas, para um dos mais famosos combatentes do Estado Islâmico, o Jamaat al-Muslimeen não é suficientemente militante e não pratica o "tipo correto" de islão - há várias outras mesquitas nas ilhas, algumas consideradas mais radicais. No verão de 2016, os jihadistas de Trindade e Tobago ganharam um rosto em todo o mundo: o de Abu Sa"d al-Trinidadi, anteriormente conhecido como Shane Crawford. Numa longa entrevista publicada na revista Dabiq, do Estado Islâmico, falava da sua conversão (era protestante), da viagem para a Síria e acabava com ameaças ao seu país natal, defendendo que as ruas ficassem cheias com o sangue dos infiéis.

Antes de viajar para a Síria, Crawford era visto como um simples criminoso, tendo passado várias vezes pela prisão com o amigo Fareed Mustapha (que foi com ele). Para alguns especialistas, o Estado Islâmico substituiu os gangues, atraindo os jovens com promessas de dinheiro e um sentido de comunidade, e a ida para a Síria era uma forma prática de escapar à lei. Mas isso não explica outros casos, como o do pugilista Tariq Abdul Haqq, oriundo de uma família proeminente e medalha de prata nos Jogos da Commonwealth de 2010. Tanto Haqq como Crawford e Mustapha terão morrido em combate na Síria.

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