Tribunal manda Telegram bloquear grupos de partilha ilegal de jornais

O Telegram, serviço de troca de mensagens e ficheiros online, deve bloquear 17 grupos e canais de partilha ilegal jornais, revistas e filmes, que têm mais de dez milhões de utilizadores, sobretudo, em Portugal e no Brasil, ordenou o Tribunal da Propriedade Intelectual esta semana.
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A decisão do tribunal de Lisboa foi proferida na última segunda-feira, 15 de novembro, em resposta ao pedido de uma providência cautelar feito, há cerca de um ano, pela cooperativa Visapress - Gestão de Conteúdos dos Media e pela GEDIPE - Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores.

Estas duas entidades, que fazem a gestão coletiva de direitos de autor e direitos conexos, respetivamente, de proprietários de jornais e revistas portugueses e de produtores de conteúdos audiovisuais, intentaram a providência cautelar por se sentirem lesadas pela partilha ilegal de jornais, revistas, filmes e séries, entre outros conteúdos, no Telegram.

Estão em causa oito grupos ou canais de partilhas de jornais e revistas e nove grupos de partilha de conteúdos audiovisuais, que são dirigidos, sobretudo, a portugueses e outros falantes da língua portuguesa.

Só nos grupos de partilha da imprensa escrita, "são partilhadas 88 publicações por dia", contabiliza o diretor executivo da Visapress, Carlos Eugénio, referindo que se trata dos principais jornais e revistas portugueses, de âmbito nacional e regional, mas também de títulos estrangeiros.

No caso dos grupos de partilha de conteúdos audiovisuais, a mesma fonte diz que o objeto da pirataria são, maioritariamente, conteúdos em português ou legendados em português, com procura não só em Portugal como no Brasil e noutros países onde se fala português.

"O número de utilizadores/membros que compõe tais grupos/canais editoriais é superior a dez milhões", lê-se na decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual. A maioria daqueles dez milhões procurará filmes e séries, mas Carlos Eugénio afirma que os grupos de partilha de jornais e revistas (entre os quais estão os títulos da Global Média Group, que detém o JN e o DN, entre outros títulos) que são visados pela providência cautelar terão mais de cem mil utilizadores. Ao início da tarde desta sexta-feira à tarde, o JN verificou que só um daqueles grupos tinha mais de 51 mil membros, dos quais quase três mil estavam, naquele momento, online.

Mas a dimensão da partilha ilegal de jornais e revistas não se resume aos utilizadores do Telegram, cuja capacidade permite grupos com mais de 250 mil utilizadores e o armazenamento de dois gigabytes de dados. Segundo sublinha o administrador da Visapress Rui Moura, muitos membros dos grupos do Telegram sacam daqui as publicações e vão partilhá-las noutros grupos similares, em serviços como o Whatsaap, onde podem ter a qualidade de utilizadores ou de administradores.

O Tribunal da Propriedade Intelectual decretou a providência cautelar, ao abrigo do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sublinhando que, no caso em apreço, nem há "necessidade de verificação do fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável, uma vez que estamos perante um caso em que a lesão já se concretizou ou está a ser concretizada".

"Ficou demonstrado que várias destas obras estão a ser disponibilizadas livremente na internet para quem aceda à plataforma "Telegram" seja através do computador, seja através dum smartphone, podendo não só aceder, como visualizar e partilhar aquelas sem obter qualquer autorização ou pagar qualquer remuneração aos titulares dos direitos das mesmas e, conforme decorre dos artigos", afirma o tribunal.

Na fundamentação da providência cautelar, o tribunal dá ainda por provado que, "no caso em apreço, as obras são, de facto, acessíveis a qualquer pessoa a partir de qualquer local e no momento por ela escolhido através de um serviço técnico de acesso, bastando ter uma ligação à internet". "E, como se sabe, a acessibilidade na internet é disponibilizada a muitos milhões de pessoas de forma indiscriminada. Assim, dúvidas não há de que a partilha em causa não é de uso privado", conclui, antes de ordenar o "bloqueio do acesso aos grupos/canais do serviço "Telegram" identificados".

"É uma decisão muito importante, que vai marcar o combate à pirataria", comenta Rui Moura, administrador da Visapress, a providência cautelar, reconhecendo no entanto que, agora, é preciso fazer o Telegram cumpri-la.

"Se o Telegram não cumprir o fecho destes grupos e de todos os que violem os direitos de autor no Telegram, há que aplicar a recente lei aprovada na Assembleia da República e banir o Telegram", enfatiza aquele antigo militar, convencido, no entanto, de que não se chegará a tal ponto: "Não quero acreditar que o Telegram ponha em risco o seu negócio por causa de uns criminosos que andam a violar os direitos de autor".

Ainda assim, o próprio Tribunal da Propriedade Intelectual não esconde as suas "dúvidas" quanto à "eficácia" do bloqueio dos referidos 17 grupos de partilha do Telegram. "Do que hoje nos é dado a conhecer, este bloqueio terá um efeito limitado, quanto à abrangência e quanto ao período temporal, pois tanto os titulares dos servidores como os utilizadores, com relativa facilidade, contornam tal efeito, passando aceder aos mesmos conteúdos através de outros "links"", afirma o tribunal, que demorou um ano a decidir esta providência cautelar.

Um outro problema se perspetiva, desde já: a notificação da providência cautelar ao Telegram. Esta empresa, criada por dois russos, tem sede no Dubai e, apesar das diligências do Tribunal, não se deixou sequer citar quando a providência foi intentada.

Por isso, no final da decisão proferida esta segunda-feira, o tribunal afirma: "Atenta a informação já dada pela Embaixada de Abu Dahbi [capital dos Emirados Árabes Unidos] relativamente à anterior tentativa de citação da requerida, notifique as requerentes para dizerem de que forma pretendem a nova citação da requerida, ou para que local, considerando que a repetição de tudo o anteriormente efectuado será, seguramente, inútil, e implicará gastos de tempo e custos igualmente inúteis".

"A internet, embora pareça, não é uma selva sem regras", comenta o diretor executivo da Visapress. Carlos Eugénio diz que "tem de se fazer alguma coisa" e lembra que, em 2015, várias entidades gestoras de direitos de autor e o Estado português, através da Inspeção-Geral das Atividades Culturais, celebraram um memorando de entendimento que, alegadamente, "permite o bloqueio de sites que violem os direitos de autor". "Esta pode ser uma via", conclui, sem excluir, de novo, a via judicial.

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