Tribunal anula castigo da Federação a José Eduardo Moniz por criticar árbitros

Administrador do Benfica tinha sido punido pelo conselho de Disciplina da FPF por frases como "Nem no tempo do Apito Dourado existe memória de decisões tão escandalosas". É o exercício legítimo da liberdade de expressão, diz o Tribunal Administrativo. Mas um dos juízes votou vencido.
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Um castigo aplicado pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a José Eduardo Moniz, administrador da Benfica SAD, foi anulado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, numa decisão que não foi unânime e teve troca de relator do acórdão já que o inicial juiz-relator defendeu que havia "falta de respeito para com os árbitros". Moniz tinha sido punido com 45 dias de suspensão e multa de 2870 euros por ter criticado árbitros de futebol, com o castigo a ser confirmado depois pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) em resposta a recurso do dirigente. Neste acórdão que anula o castigo, é considerado que o dirigente apenas exerceu o direito fundamental da liberdade de expressão.

"Nem no tempo do Apito Dourado existe memória de uma semana tão negativa e com decisões tão escandalosas com reflexos diretos nos resultados como esta semana" foi uma das frases de José Eduardo Moniz, em declarações ao programa Bola Branca da Rádio Renascença, que motivou a aplicação do castigo do órgão federativo presidido por José Manuel Meirim por ser ofensivo para a honra e reputação dos árbitros. "Os sinais são muito preocupantes, há decisões e escolhas lamentáveis e pouco cuidadosas de árbitros e videoárbitros, relatórios que colocam em causa a veracidade dos mesmos, tudo perante uma grande inércia das estruturas de decisão do futebol", foi outra das frases que originaram a punição disciplinar ao vice-presidente do Benfica.

As declarações, feitas em fevereiro de 2018, surgiram após os jogos Tondela-Sporting, arbitrado por João Capela, e Estoril- FC Porto, dirigido por Vasco Santos, na época passada. Neste recurso, era pedida a anulação do ato administrativo punitivo de 06-06-2018 da autoria do Conselho de Disciplina da FPF, que puniu José Eduardo Moniz pela prática da infração disciplinar "lesão da honra e reputação". O administrador do Benfica tinha recorrido para o TAD que manteve a decisão, agora anulada pelos juízes Paulo Pereira Gouveia, relator, e Pedro Marchão Marques em acórdão de 7 de fevereiro passado.

O juiz Carlos Araújo teve opinião contrária e, como estava em minoria, foi substituído como relator. "Vencido, conforme projeto de acórdão que elaborei por entender que as declarações em causa constituem uma falta de respeito para com os árbitros", lê-se na declaração de voto do juiz.

"Suposição policiadora"

No caso da referência ao Apito Dourado, que era considerada uma alusão a corrupção no futebol, os juízes dizem que se trata de liberdade de expressão e qualquer outra interpretação é exagerada. "Ora, não existe qualquer relação, melhor "associação" a casos de corrupção, aliás não provados. Esta associação - que teria sido feita pelo arguido - de um ambiente passado de corrupção com uma atual "semana ... negativa" e com atuais "decisões ... escandalosas" é uma suposição e conclusão exagerada, injustificada e 'policiadora'", lê-se no acórdão do TCAS.

No que respeita à suspeita de alteração de relatórios de jogos, o tribunal concluiu que "o arguido não colocou em causa a seriedade e honestidade dos árbitros de futebol". De resto, os juízes lembram que até houve notícia de processos disciplinares a árbitros por causa do teor de relatórios. Ao dizer que "há sinais preocupantes", Moniz teve uma atitude "normal e natural, especialmente num dirigente desportivo".

Em nada das declarações de José Eduardo Moniz há ofensa a árbitros, dizem os juízes-desembargadores. "Imputar a um "juiz" de futebol ou a um juiz de direito ou a um jusárbitro uma decisão como sendo grave, escandalosa ou chocante interfere de modo relevante no direito fundamental ao bom nome, honra e reputação de tal "juiz" de futebol, juiz de direito ou jusárbitro? Não. Significa apenas que quem discorda ou critica está a discordar muito, que pensa que as decisões do "juiz" de futebol ou do juiz de direito ou do jusárbitro são extraordinariamente erradas. Portanto, também aqui estamos no lícito exercício da liberdade fundamental de expressão e crítica."

Na fundamentação, o tribunal diz que "não compete nem à Administração Pública [aqui, Conselho de Disciplina da FPF], nem a entidades de arbitragem jurídica de Direito desportivo forçada ou "necessária" [aqui, o T.A.D.], nem aos tribunais, supor, deduzir sentidos ou opinar sobre o teor e o modo do exercício da liberdade de expressão do pensamento e da opinião dos cidadãos". E "ainda que houvesse ali alguma afetação relevante do direito a não ser ofendido ou lesado na honra, dignidade ou consideração social, isso seria num grau muito leve quando comparado com a alternativa de o arguido estar calado".

Com este acórdão que revoga a decisão do TAD e anula o ato administrativo do Conselho de Disciplina da FFP , as custas dos processos passam a ficar a cargo da federação.

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