Três meses depois há mais dúvidas do que certezas sobre o caso Skripal
"Não sou especialista em armas químicas de fabrico militar, mas pelo que sei, se uma delas for ativada, as vítimas são mortas no local e praticamente no momento. Graças a Deus, nada disso aconteceu." A declaração, sobre o caso Skripal, ocorrido no dia 4 de março, é de um ex-agente do KGB. Chama-se Vladimir Putin e é o presidente da Rússia.
O líder russo é parte interessada. Em primeiro lugar um dos seus cidadãos foi alvo de ataque (Yulia Skripal). Segundo, o seu governo foi condenado na praça pública pelo governo britânico, o que desencadeou uma crise diplomática com o Reino Unido e, por arrasto, 28 países aliados, a expulsar diplomatas russos. "Como pudemos ver na TV, pelo menos recentemente [Yulia Skripal] parece muito bem. Todos estão vivos e bem, felizmente. Portanto eu não acho que seja um caso de uso de uma arma química de nível militar. E se assim for, tudo o que os britânicos disseram desde o início está em questão", concluiu Putin, no dia 18 de maio, quando se soube que Sergei Skripal teve alta hospitalar.
O ex-agente duplo e a filha tinham sido encontrados inconscientes num banco de jardim de Salisbury, uma cidade inglesa perto do centro científico-militar de Porton Down. Estiveram hospitalizados, em estado grave, durante semanas, até à sua recuperação e alta. Nesse período, o governo de Theresa May afirmou que os Skripal foram envenenados com Novichok e acusou a Rússia de estar por trás do sucedido. Dois dias depois, Londres expulsou 23 diplomatas russos, suspeitos de manterem atividade de espionagem.
Novichok não é exclusivo russo
Escudados em especialistas como Vil Mirzayanov, químico russo radicado nos EUA, uma das alegações usadas pelos britânicos foi a de que só a Rússia poderia fabricar o agente neurotóxico desenvolvido nos anos 1970 na União Soviética. Mas este argumento caiu por terra quando, em meados de maio, alguns meios de comunicação alemães revelaram que um cientista russo tinha passado uma amostra à Alemanha, e mais tarde partilhado com alguns países da NATO. Pelo que, desde os anos 1990, noticiaram os media alemães, alguns países passaram a ter capacidade para produzir Novichok.
Em paralelo, o presidente da República Checa, Milos Zeman, admitiu que o seu país tinha testado um agente nervoso da família do Novichok. Foi a confirmação de declarações feitas antes pelo diretor do laboratório militar checo, Bohuslav Safar, e que acabaram por levar à exoneração deste.
Moscovo já tinha afirmado que os checos, além dos eslovacos, suecos, norte-americanos e britânicos, são dos que têm capacidade para fabricar o agente neurotóxico.
Os resultados das análises da Organização para a Proibição de Armas Químicas confirmaram a identidade do agente nervoso identificado pelos britânicos (A-234), mas não esclareceram qual a origem. Já o Kremlin alega que o laboratório suíço que fez as análises concluiu que a toxina usada foi BZ, que só em doses elevadas é mortal.
Mas se pai e filha foram expostos ao Novichok, como se explica que tenham sobrevivido? Os médicos - que a princípio trataram os russos como se estivessem com uma overdose de opioides - afirmaram à BBC que não acreditavam na sobrevivência dos pacientes, mas graças ao aconselhamento dos peritos de Porton Down o tratamento foi eficaz, revelaram.
Teoria liga Skripal a Trump
O governo britânico emitiu duas notas à comunicação social para que esta não fizesse referência à identidade do ponto de contacto de Sergei Skripal no MI6, a secreta britânica. O antigo embaixador britânico Craig Murray - classificado de adepto de teorias da conspiração pelo seus críticos - furou essa censura e revelou a identidade do contacto do ex-coronel russo: Pablo Miller. De acordo com Murray, este ex-agente do MI6 é consultor na Orbis Business Intelligence, empresa autora do dossiê sobre Donald Trump e as ligações à Rússia. Ou seja, Skripal teria colaborado nesse relatório.
Com ou sem especulações, a controvérsia do caso Skripal enquadra-se num conflito entre o Ocidente e a Rússia em que a verdade é a primeira sacrificada pelo menos por uma das partes. O voo MH17, derrubado por um míssil em 2014 quando sobrevoava a Ucrânia, e que causou 298 mortos, o alegado uso de armas químicas em Ghouta, já neste ano, e a encenação do assassínio do jornalista russo Arkady Babchenko em Kiev são os exemplos mais notórios desta luta entre notícias e fake news.