Todos os dias há 50 mil pessoas a faltar ao trabalho na indústria
O primeiro a lançar o alerta foi o calçado, que está com taxas de absentismo de 14%, quando em setembro não chegava sequer aos 3%. "Faltam atualmente seis mil pessoas todos os dias nas nossas empresas, o que nos poderá impedir de cumprir com os nossos compromissos internacionais", anunciou, nesta semana, a APICCAPS. Contactado, o diretor de comunicação da associação confirmou os números, sublinhando que as empresas se sentem duplamente penalizadas.
"Não só porque precisam dos trabalhadores, ou eles não fariam parte dos seus quadros, mas simultaneamente porque têm de pagar parte significativa dos custos salariais destes funcionários, quando estão privados deles, quando essa é uma função social que cabe ao Estado cobrir", sublinha Paulo Gonçalves.
O elevado número de pessoas ausentes do serviço por razões relacionadas com a covid-19 é agora "a principal dificuldade" apontada pelas empresas de calçado no mais recente inquérito ao setor, realizado pela APICCAPS nos primeiros dias de fevereiro, "superando inclusivamente a insuficiência de encomendas". Sobre as razões da ausência, 42% do absentismo deve-se a trabalhadores em quarentena e 31% a casos de assistência à família. "A assistência à família ganhou terreno nas últimas semanas, passando de 17% em dezembro para os atuais 31%", explica a associação.
Com o encerramento das escolas, o governo decretou que os trabalhadores com filhos menores de 12 anos, que não estejam em teletrabalho, recebem dois terços da sua remuneração base, sendo este valor suportado, em partes iguais, pelo empregador e pela Segurança Social. O que tem gerado forte contestação por parte dos patrões.
"Esta medida viola todos os direitos e liberdades. A lei o que diz é que a assistência a filho menor é uma falta justificada e não remunerada, como é que o Estado vem obrigar as empresas privadas a pagar, quando elas estão descapitalizadas e não geram riqueza para isso?", critica o presidente da ANIVEC, a associação do vestuário. César Araújo não tem dúvidas que, em média, o absentismo nas empresas ronda os 20 a 25%, o que equivale a dizer que, diariamente, há cerca de 20 mil pessoas em falta nas fábricas. "E como infelizmente em Portugal ainda é a mulher que fica em casa a olhar pelos filhos, são os setores com maior peso de mão de obra feminina os mais afetados, como o vestuário", diz.
O tema é delicado e os empresários não querem que seja visto como um ataque aos trabalhadores e, muito menos, às mulheres. "A questão aqui é só quem paga esses salários. E as empresas privadas não são como a Função Pública, têm que gerar riqueza e produtividade para poderem cumprir com as suas obrigações. E o que está a acontecer é que estão a ter de se endividar para pagar salários cuja responsabilidade é do Estado", afirma César Araújo, garantindo que "não há mais nenhum país da Europa a fazer isto".
A Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), confirma o panorama. No têxtil, setor menos intensivo em mão de obra, as taxas de absentismo são menores, mas no vestuário, um breve inquérito junto de um conjunto alargado de empresas mostrou taxas de absentismo que variavam entre os 17 e os 27%. Considerando os 90 mil trabalhadores do vestuário, são quase 25 mil pessoas. "A situação é muito preocupante a vários níveis, desde logo porque pode causar dificuldades no processo produtivo. Julgo que o Estado deveria procurar arranjar soluções, tal como tem escolas a funcionar para os filhos dos profissionais de saúde, poderia ter também para os filhos de alguns profissionais da área industrial", argumenta Mário Jorge Machado.
Não sendo possível, o presidente da ATP advoga que não sejam prejudicadas as empresas, obrigando-as a suportar parte dos custos salariais com alguém que não está a trabalhar, mas também que não se penalizem os trabalhadores. "A fiscalidade deste país já é pouco amiga de quem tem filhos, não faz sentido que ainda percam rendimentos por ficarem em casa a tomar conta deles. Tal como somos todos nós, contribuintes, que pagamos o salário dos funcionários que estão em lay-off, e que agora recebem a 100%, alguém que está a olhar pelos filhos, as gerações que vão garantir os impostos do futuro, deve também receber o vencimento por inteiro. Tem é de ser o Estado a assegurá-lo", sublinha.
Na metalurgia e metalomecânica, os dados mais recentes datam de novembro, quando 13% das empresas indicava ter mais de 10% de trabalhadores em falta, a que se somavam 16% com 5 a 10% de absentismo. Mas o vice-presidente da AIMMAP não tem dúvida que a situação evoluiu, entretanto, de forma "claramente negativa", designadamente por via do encerramento das escolas. "Tudo aponta para que haja agora mais empresas e com níveis de absentismo superiores", diz Rafael Campos Pereira, que admite que as empresas tenham em falta, por dia, 25 mil pessoas. "À vontade", frisa. O que está a gerar "grande angústia" na gestão diária das empresas.
A forma como os diversos delegados de saúde determinam os isolamentos profiláticos também não ajuda. "É que o absentismo para a assistência à família é factual e as empresas já sabem minimamente com o que contam, o problema é a desorganização com que são confrontados com as informações em cima da hora dos isolamentos profiláticos por contactos de risco, sendo que os delegados de saúde decidem com critérios diferentes uns dos outros e gerir recursos humanos, com a obrigatoriedade de desfasar horários, de colocar em teletrabalho quem pode estar em teletrabalho, e sem saber com quem se vai contar é uma preocupação muito grande", frisa.
ilidia.pinto@dinheirovivo.pt