Toda a memória do mundo com os clássicos em Cannes
Apetece evocar o título do documentário que Alain Resnais realizou em 1956 (Toute la Mémoire du Monde) para resumir o fascínio da secção de clássicos do Festival de Cannes. Aliás, Resnais surge este ano evocado através da passagem de A Guerra Acabou (1966), o seu belíssimo filme com Yves Montand sobre a resistência à ditadura franquista, em Espanha.
Eis uma secção que teve um desenvolvimento exponencial ao longo das edições do certame no século XXI. Por um lado, há uma nostalgia militante em torno dos filmes "antigos", de alguma maneira relançada pelo aparecimento de novas gerações de espectadores; por outro lado, a diversificação do mercado - das edições em Blu-ray aos múltiplos canais de televisão e streaming - reforçou o valor cultural e económico (uma coisa é sempre indissociável da outra) desses filmes e das suas versões restauradas.
Este ano, os títulos propostos por Cannes Classics vão desde uma das primeiras realizações do italiano Pietro Germi (O Caminho da Esperança, 1950) até à reflexão paródica de Orson Welles sobre a verdade artística (F for Fake, 1973), sem esquecer a maravilha absoluta que é Carta a uma Desconhecida (1948), produção de Hollywood assinada por Max Ophüls.
Como já é hábito, está representada a Film Foundation, instituição posta em marcha por Martin Scorsese e Steven Spielberg, entre outros, vocacionada para a recuperação e restauro de filmes "perdidos". Desta vez, o seu labor surge ilustrado por I Know Where I"m Going! (1945), pérola da produção britânica assinada pela dupla Michael Powell/Emeric Pressburger.
Sem esquecer que os clássicos surgem sempre em paralelo com novos documentários que nos ajudam a conhecer e contextualizar as memórias cinéfilas. Entre a oferta deste ano destaca-se um novo trabalho do crítico irlandês Mark Cousins sobre o inglês Jeremy Thomas, lenda viva de um modelo de produção multinacional e independente; entre as dezenas de títulos a que o nome de Thomas está ligado incluem-se Feliz Natal, Mr. Lawrence (Nagisa Oshima, 1983), O Último Imperador (Bernardo Bertolucci, 1987) e Crash (David Cronenberg, 1996).