Um dia, numa entrevista na BBC, no Reino Unido, perguntaram a Tito Paris o que é a morna. Ele chamou a empregada cabo-verdiana que tinha visto ali a trabalhar. "Era uma mulata linda, de olhos verdes", recorda o músico. Quando ela veio, olhou para ele e fez um enorme sorriso. Tito declarou: "Está aqui a morna, no sorriso de uma crioula." Sem qualquer espécie de machismo, o que ele quer dizer é que, fale do que falar, a morna inspira-se na beleza e na alegria do povo de Cabo Verde..Tito Paris tem 55 anos e é um dos mais conhecidos nomes da música cabo-verdiana. Da morna e não só. Do que ele gosta mesmo é de misturar tudo. Fado com morna, coladera com rumba e por aí fora. É essa fusão que ouvimos quando batemos à porta do estúdio Mr. Gig, em Lisboa, onde Tito Paris ensaia com os oito músicos que neste momento o acompanham em palco. Estão a preparar o concerto de amanhã na Casa da Música, no Porto: "Vai ser um concerto mais intimista do que aquele que fizemos no Coliseu dos Recreios [em novembro de 2017] porque esta sala é mais pequena. Vamos tocar músicas do último disco, Mim Ê Bô, mas também outras, que as pessoas sempre pedem, como O Pretinha, Dança Ma Mi Criola, Sodade..." Tito gosta quando o público conhece as músicas e o acompanha: "Não há nada que se compare ao palco. É muito melhor do que estar fechado em estúdio. Adoro comunicar com as pessoas, aquela comunhão."."Se não fosse músico, seria pescador", costuma dizer. "Tinha muitos tios pescadores. Quando era miúdo, pescava com os mais velhos, a minha mãe proibia-me porque era perigoso, mas eu ia à mesma. Adoro pescar e tenho muito respeito pelos pescadores." Ainda hoje, quando vai de férias a Cabo Verde, Tito Paris gosta de ir pescar com os amigos..Em sua casa, em Cabo Verde, ouvia-se muita música. "E boa música", faz questão de sublinhar. Bonga, Bana, Luís Morais, Nat King Cole, Frank Sinatra, Dean Martin, Jacques Brel e outros. Na infância, Tito lembra-se de ouvir a Nini, de Paulo de Carvalho, ou A Cabana Junto à Praia, de José Cid. "São músicas lindíssimas, ainda as ouço hoje", conta. Foi a irmã que lhe ensinou o primeiro acorde de guitarra e daí a pouco já tocava com os irmãos e os amigos. Depois passou para o baixo, que ainda hoje é o seu instrumento preferido, e em 1974 criaram o grupo Jovens Unidos, que fez algum sucesso na altura. Mas a carreira de músico não passava ainda de um sonho.."Um dia, estava a jogar matraquilhos com os meus amigos, chegou o mestre Luís Morais e disse-me: 'Tu vais comigo para Lisboa para seres músico.' Ao fim de 15 dias, apareceu lá em casa com os papéis para tratarmos do passaporte. Foi nesse momento que comecei a acreditar que poderia ser músico profissional", lembra. "Vi que a minha vida ia mudar.".Tinha 19 anos quando deixou o seu Mindelo e se mudou para Lisboa para tocar com o Voz de Cabo Verde, ao lado de nomes como Bana ou Paulinho Vieira. Não foi uma adaptação fácil. Primeiro, porque o puseram a tocar bateria, coisa que ele nunca tinha feito. Depois, porque a vida em Portugal era muito diferente. "Quando cheguei cá encontrei uma cidade muito maior do que o Mindelo, com muitos carros, muitas buzinas, as pessoas muito mais stressadas. Ao fim de três meses queria ir-me embora. O Paulinho Vieira é que não deixou. E fiquei. Já lá vão 40 anos." E conclui: "Neste momento, para ser franco, estar em Portugal ou estar em Cabo Verde é quase a mesma coisa: estou com os meus amigos, a minha família. E estou acompanhado na mesma. E na verdade a viagem leva três horas e 40 minutos, é quase como se fosse de Lisboa para o Porto.".Quando tem de referir os nomes que mais contribuíram para a sua carreira, Bana e Paulinho Vieira são os mais recorrentes. Foi Paulinho Vieira que praticamente o obrigou a chegar-se à frente do palco e assumir o microfone: "Canta, dá-te ao respeito", disse-lhe. E ele lá foi, cheio de vergonha, cantar Alô Alô, Cabo Verde, e surpreendeu-se por gostarem de o ouvir. "Mas só comecei a acreditar mesmo em mim como cantor quando estava a tocar com o Dany Silva", acrescenta. "É estranho ouvir a minha voz. Ainda hoje. Outro dia ia no táxi e começou a dar no rádio a minha música com a Mariza. A taxista não acreditava que era eu: 'O senhor é o Tito Paris? Você é tão pequenino assim?'", conta, entre risos. Também foi a Paulinho Vieira que foi buscar a inspiração para começar a escrever as primeiras canções: "Ele fez-me acreditar.".Recorda com alegria esses primeiros tempos, quando tocava com o seu grupo em bares de Lisboa sete noites por semana, as digressões pela Europa conquistando público que nunca tinha ouvido as suas canções, o lançamento do disco que o tornou conhecido em nome próprio, Dança Ma Mi Criola (1995). E, depois, o momento em que, já consagrado, foi convidado pelo governo a ser embaixador da morna de Cabo Verde. Perdeu a conta aos nomes grandes da música com quem já trabalhou. De Cesária Évora (logo no primeiro disco dela) a Paulo de Carvalho, Vitorino, Celina Pereira, Carlos do Carmo. Ainda no ano passado participou no concerto da guitarrista Marta Pereira da Costa. "Quem havia de dizer que se podia tocar morna com uma guitarra portuguesa?"."Quando não estou a tocar, estou a cozinhar. É bom cozinhar para os amigos e a família", conta. É seu grande hobby. E, no fundo, cozinhar é como fazer música: é bom experimentar de tudo, mas a raiz não se perde. "Se há coisas que eu mantenho, são o meu paladar e a minha música", diz. Tito experimenta muitos pratos, mas nada bate uma boa cachupa. Tito toca com muitos músicos diferentes e junta ritmos de várias latitudes, mas a sua música é sempre cabo-verdiana.. Concerto de Tito Paris Casa da Música, Porto Sábado, 12 de janeiro, 21.30 Bilhetes: 25 euros
Um dia, numa entrevista na BBC, no Reino Unido, perguntaram a Tito Paris o que é a morna. Ele chamou a empregada cabo-verdiana que tinha visto ali a trabalhar. "Era uma mulata linda, de olhos verdes", recorda o músico. Quando ela veio, olhou para ele e fez um enorme sorriso. Tito declarou: "Está aqui a morna, no sorriso de uma crioula." Sem qualquer espécie de machismo, o que ele quer dizer é que, fale do que falar, a morna inspira-se na beleza e na alegria do povo de Cabo Verde..Tito Paris tem 55 anos e é um dos mais conhecidos nomes da música cabo-verdiana. Da morna e não só. Do que ele gosta mesmo é de misturar tudo. Fado com morna, coladera com rumba e por aí fora. É essa fusão que ouvimos quando batemos à porta do estúdio Mr. Gig, em Lisboa, onde Tito Paris ensaia com os oito músicos que neste momento o acompanham em palco. Estão a preparar o concerto de amanhã na Casa da Música, no Porto: "Vai ser um concerto mais intimista do que aquele que fizemos no Coliseu dos Recreios [em novembro de 2017] porque esta sala é mais pequena. Vamos tocar músicas do último disco, Mim Ê Bô, mas também outras, que as pessoas sempre pedem, como O Pretinha, Dança Ma Mi Criola, Sodade..." Tito gosta quando o público conhece as músicas e o acompanha: "Não há nada que se compare ao palco. É muito melhor do que estar fechado em estúdio. Adoro comunicar com as pessoas, aquela comunhão."."Se não fosse músico, seria pescador", costuma dizer. "Tinha muitos tios pescadores. Quando era miúdo, pescava com os mais velhos, a minha mãe proibia-me porque era perigoso, mas eu ia à mesma. Adoro pescar e tenho muito respeito pelos pescadores." Ainda hoje, quando vai de férias a Cabo Verde, Tito Paris gosta de ir pescar com os amigos..Em sua casa, em Cabo Verde, ouvia-se muita música. "E boa música", faz questão de sublinhar. Bonga, Bana, Luís Morais, Nat King Cole, Frank Sinatra, Dean Martin, Jacques Brel e outros. Na infância, Tito lembra-se de ouvir a Nini, de Paulo de Carvalho, ou A Cabana Junto à Praia, de José Cid. "São músicas lindíssimas, ainda as ouço hoje", conta. Foi a irmã que lhe ensinou o primeiro acorde de guitarra e daí a pouco já tocava com os irmãos e os amigos. Depois passou para o baixo, que ainda hoje é o seu instrumento preferido, e em 1974 criaram o grupo Jovens Unidos, que fez algum sucesso na altura. Mas a carreira de músico não passava ainda de um sonho.."Um dia, estava a jogar matraquilhos com os meus amigos, chegou o mestre Luís Morais e disse-me: 'Tu vais comigo para Lisboa para seres músico.' Ao fim de 15 dias, apareceu lá em casa com os papéis para tratarmos do passaporte. Foi nesse momento que comecei a acreditar que poderia ser músico profissional", lembra. "Vi que a minha vida ia mudar.".Tinha 19 anos quando deixou o seu Mindelo e se mudou para Lisboa para tocar com o Voz de Cabo Verde, ao lado de nomes como Bana ou Paulinho Vieira. Não foi uma adaptação fácil. Primeiro, porque o puseram a tocar bateria, coisa que ele nunca tinha feito. Depois, porque a vida em Portugal era muito diferente. "Quando cheguei cá encontrei uma cidade muito maior do que o Mindelo, com muitos carros, muitas buzinas, as pessoas muito mais stressadas. Ao fim de três meses queria ir-me embora. O Paulinho Vieira é que não deixou. E fiquei. Já lá vão 40 anos." E conclui: "Neste momento, para ser franco, estar em Portugal ou estar em Cabo Verde é quase a mesma coisa: estou com os meus amigos, a minha família. E estou acompanhado na mesma. E na verdade a viagem leva três horas e 40 minutos, é quase como se fosse de Lisboa para o Porto.".Quando tem de referir os nomes que mais contribuíram para a sua carreira, Bana e Paulinho Vieira são os mais recorrentes. Foi Paulinho Vieira que praticamente o obrigou a chegar-se à frente do palco e assumir o microfone: "Canta, dá-te ao respeito", disse-lhe. E ele lá foi, cheio de vergonha, cantar Alô Alô, Cabo Verde, e surpreendeu-se por gostarem de o ouvir. "Mas só comecei a acreditar mesmo em mim como cantor quando estava a tocar com o Dany Silva", acrescenta. "É estranho ouvir a minha voz. Ainda hoje. Outro dia ia no táxi e começou a dar no rádio a minha música com a Mariza. A taxista não acreditava que era eu: 'O senhor é o Tito Paris? Você é tão pequenino assim?'", conta, entre risos. Também foi a Paulinho Vieira que foi buscar a inspiração para começar a escrever as primeiras canções: "Ele fez-me acreditar.".Recorda com alegria esses primeiros tempos, quando tocava com o seu grupo em bares de Lisboa sete noites por semana, as digressões pela Europa conquistando público que nunca tinha ouvido as suas canções, o lançamento do disco que o tornou conhecido em nome próprio, Dança Ma Mi Criola (1995). E, depois, o momento em que, já consagrado, foi convidado pelo governo a ser embaixador da morna de Cabo Verde. Perdeu a conta aos nomes grandes da música com quem já trabalhou. De Cesária Évora (logo no primeiro disco dela) a Paulo de Carvalho, Vitorino, Celina Pereira, Carlos do Carmo. Ainda no ano passado participou no concerto da guitarrista Marta Pereira da Costa. "Quem havia de dizer que se podia tocar morna com uma guitarra portuguesa?"."Quando não estou a tocar, estou a cozinhar. É bom cozinhar para os amigos e a família", conta. É seu grande hobby. E, no fundo, cozinhar é como fazer música: é bom experimentar de tudo, mas a raiz não se perde. "Se há coisas que eu mantenho, são o meu paladar e a minha música", diz. Tito experimenta muitos pratos, mas nada bate uma boa cachupa. Tito toca com muitos músicos diferentes e junta ritmos de várias latitudes, mas a sua música é sempre cabo-verdiana.. Concerto de Tito Paris Casa da Música, Porto Sábado, 12 de janeiro, 21.30 Bilhetes: 25 euros