Em 2013, o francês Thomas Piketty, economista, investigador da história da riqueza nas sociedades, abalou o mundo com a publicação de O Capital no Século XXI. O livro, agora relançado no mercado português, tornou-se uma referência para muitos debates políticos, acabando por dar origem a um filme de 2019 com o mesmo título, realizado pelo neozelandês Justin Pemberton, agora lançado nas salas portuguesas..O menos que se pode dizer de O Capital no Século XXI é que, embora organizado de acordo com as regras de um documentarismo mais ou menos rotineiro e televisivo (entrevistas, materiais de arquivo, etc.), consegue a proeza de nos levar a refletir a partir de uma perspetiva radical, incómoda e perturbante. A saber: todas as histórias de todas as sociedades são, em última instância, histórias de circulação do dinheiro; quem o tem e quem o não tem; quem o ostenta e quem o esconde; quem o ostenta, escondendo-o. Enfim, quem "apenas" o esconde..YouTubeyoutubed33Lko7h5kg.Como Piketty recorda numa das primeiras sequências do filme, a sua idade (nasceu em 1971) levou a que no final da adolescência tenha assistido, entre o fascínio e a interrogação, à queda do Muro de Berlim (1989). Como ele próprio sublinha, o seu posterior contacto com as sociedades da Europa de Leste conduziu-o a um duplo reconhecimento: em primeiro lugar, do falhanço das ilusões mais ou menos utópicas geradas pelos regimes comunistas; depois, da urgência de compreender o poder do capital e os modos como a sua circulação foi pontuando as evoluções das sociedades até ao mundo globalizado que, agora, habitamos..Não é um exercício profético, até porque o desenlace do filme não pode deixar de instalar uma desencantada interrogação: afinal, o que nos reserva o futuro? Trata-se antes de propor uma viagem, hiperinformada, que recua até à Revolução Francesa, passa pela ascensão e pela queda das aristocracias, analisa as convulsões económicas que determinaram os dois conflitos mundiais do século XX, desembocando, enfim, no novo universo global e digital em que prevalece o poder dos GAFA (Google + Amazon + Facebook + Apple), influenciando a circulação de todas as formas de conhecimento, informação e riqueza..Toda esta deambulação, por vezes alucinante na pluralidade de referências que convoca, é tanto mais interessante quanto integra uma curiosa pontuação cinéfila. Assim, através da montagem de sugestivos extratos de filmes - de As Vinhas da Ira (1940), de John Ford, a Wall Street (1987), de Oliver Stone -, este é também um filme consciente de uma dimensão cultural que o nosso acelerado mundo televisivo nem sempre reconhece: a perceção e o questionamento da vida económica têm passado também pelo labor de muitas narrativas cinematográficas..Escusado será dizer que as descrições e as interpretações de Piketty serão tudo o que se quiser menos universais. Apesar disso (corrijo: por isso mesmo), este é um filme de invulgar pertinência crítica e utilidade social. Trata-se de abrir espaços de reflexão para compreendermos o modo como o dinheiro marca todos os cenários da nossa existência. Afinal, onde está o capital? E porque é que a vida de cada um dele depende, mesmo quando nada sabemos sobre os seus modos de circulação?.* * * Bom