Thomas Adès, um sobredotado da criação musical

O brilhante compositor inglês apresenta-se esta terça-feira no Grande Auditório da Gulbenkian num recital de piano dedicado só a Léos Janácek.
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Talvez desde o desaparecimento de Benjamin Britten, em 1976, que a música britânica não conhecia uma personalidade criadora tão evidentemente dotada e irradiadora. Basta para tal dizer que, aos 47 anos, Thomas Adès se pode "gabar" de ter uma (destacada) vida criativa de quase três décadas atrás de si - e estamos a falar de um compositor que aos 20 anos já era uma voz conhecida na cena da criação musical britânica! Ou, por exemplo, que recebeu aos 28 anos o mais importante prémio (em termos pecuniários, mas também um dos mais prestigiados) internacional dedicado à composição na área erudita: o Grawemeyer Award, outorgado pela Universidade de Louisville (EUA), por "Asyla", obra para grande orquestra que escreveu aos 26 anos e que em 2002 fez parte do primeiro programa que Sir Simon Rattle dirigiu enquanto novo titular da Filarmónica de Berlim!

Hoje, no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, Thomas Adès vai apresentar-se numa condição mais intimista: enquanto solista ao piano, tocando apenas obras de um compositor, o checo Léos Janácek (1854-1928), de quem foi sempre um paladino - escreveu inclusive um ensaio académico sobre a música para piano deste autor.

Temos, portanto, em Thomas Adès um compositor brilhante e um pianista de nível absolutamente profissional; dupla faceta a que se junta ainda a de maestro, atividade em que é mais comum vê-lo, mas longe de ser apenas dirigindo obras suas!

Enquanto recitalista, ele atua, quer a solo, quer acompanhando cantores (p. ex. o tenor Ian Bostridge), quer acompanhando outros instrumentistas, casos do violoncelista Steven Isserlis ou do Quarteto Calder.

Mas a carreira de Thomas Adès tem sido também pontuada de forma determinante pelas suas óperas. Aos 23/24 anos escreveu uma ópera de câmara (quanto aos efetivos, que não quanto à duração, pois são cerca de duas horas de música) intitulada "Powder Her Face". Ela estreou em 1995 e foi tanto um sucesso real quanto um "succès de scandale", pois que retratava, com linguagem e imagética explícitas, as proezas sexuais da "socialite" duquesa de Argyll, um caso que ficou célebre no imaginário britânico dos anos 60. Depois, em 2004, surgiu "A Tempestade", sobre Shakespeare, claro está, uma ópera em grande formato estreada na Royal Opera House-Covent Garden de Londres (e ali repetida em 2007) e que já vem correndo mundo desde então.

Por fim, mais recentemente, apareceu "O Anjo Exterminador" - sim, sobre o mesmo tema do famoso filme surrealista de Luís Buñuel -, estreada no Festival de Salzburgo de 2016 e vista há um ano em Lisboa, no quadro das transmissões em direto da Metropolitan Opera de Nova Iorque que a Gulbenkian Música assegura. "O Anjo Exterminador" venceu no ano passado o "Óscar da ópera" para melhor estreia mundial do ano, no quadro dos International Opera Awards.

Já este ano, Thomas Adès escreveu a banda sonora para o filme "Colette" e em março do próximo ano anuncia-se a estreia mundial do seu "Concerto para piano", em Boston (trata-se de uma encomenda da Sinfónica de Boston), com ele próprio a dirigir e Kirill Gerstein como solista.

Esta será a segunda visita de Thomas Adès à Gulbenkian, depois de em 2011-12 a sua música ter estado em destaque na temporada, com uma "residência artística" de duas semanas (janeiro de 2012), no decurso da qual ele dirigiu a Orquestra de Câmara da Europa e a Orquestra Gulbenkian em cinco obras suas (além de composições de Berlioz, Sibelius e Beethoven), aí se incluindo composições marcantes como a citada "Asyla" (de 1997), ou "Polaris: Voyage for Orchestra", essa datada de 2010.

No programa de hoje, Adès vai interpretar a quase totalidade da produção para piano solo de Janácek, incluindo naturalmente as obras mais representativas, como a Sonata "1.X.1905", os dois volumes de "Sobre um caminho verdejante" (15 peças) e o ciclo "Nas brumas" (quatro peças), e incluindo "Reminiscência", a sua última obra publicada, datada de 1928. Fiquemos então com a música tão expressiva quanto enigmática de Janácek, lida por Thomas Adès.

Thomas Adès (piano)

Obras de Léos Janácek

Fundação Gulbenkian, Grande Auditório, hoje, 20.00

bilhetes dos 15 aos 30€

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